Search
Close this search box.

EN

Pare de Falar, Comece a Ouvir: Veja como você pode transformar a sua carreira de uma forma simples

Em um mundo marcado por conflitos e desentendimentos que nos cercam por todos os lados – do trabalho e do almoço em família ao cenário político mundial, escutar pode ser uma ferramenta poderosa para construir pontes e encontrar soluções pacíficas. A capacidade de ouvir não apenas as palavras, mas também as emoções e os pensamentos não expressos do interlocutor, pode transformar radicalmente o curso de uma negociação. Um exemplo disso é a história contada pelo especialista em negociação e autor do livro “Getting to Yes”, William Ury, durante seu TED, sobre seu encontro com o presidente venezuelano Hugo Chávez, em um momento de intensa crise política na Venezuela.

Convidado pelas Nações Unidas e pelo Carter Center, Ury se viu diante do desafio de mediar uma situação explosiva que ameaçava mergulhar o país em uma guerra civil. Milhões de pessoas tomaram as ruas de Caracas, divididas entre o apoio e a oposição ao governo de Chávez, criando um cenário carregado de tensões e rumores de violência iminente. Foi neste contexto que Ury, atendendo a um pedido do ex-presidente americano Jimmy Carter, se reuniu com Chávez para discutir possíveis caminhos para a paz.

William Ury

A abordagem de Ury para essa reunião foi contra-intuitiva, mas reveladora. Em vez de chegar com um conjunto de recomendações prontas, ele optou por ouvir. Essa decisão, tomada após uma caminhada reflexiva pelo parque e se baseou na convicção de que a escuta genuína poderia abrir portas que a persuasão direta talvez não conseguisse. Durante o encontro, que se estendeu por mais de duas horas e meia, Ury manteve-se focado no presente, buscando entender a perspectiva de Chávez e encontrar pontos de abertura para o diálogo. A conversa, que começou com um gesto simples de humanidade – uma pergunta sobre a filha de Chávez – evoluiu para um diálogo profundo sobre as raízes do conflito e as possibilidades de reconciliação. Chávez compartilhou sua trajetória, desde sua renúncia como coronel indignado com ordens para atirar em civis, até sua ascensão ao poder. Ao ouvir atentamente e sem julgamentos, Ury conseguiu não apenas compreender a complexidade do líder venezuelano, mas também orientar a conversa para a possibilidade de um diálogo construtivo com a oposição.

Este encontro entre Ury e Chávez ilustra o poder transformador da escuta ativa. Ao abandonar a tentativa de impor soluções e optar por uma abordagem empática e aberta, Ury facilitou a criação de um espaço onde o diálogo genuíno poderia florescer.

TED – O Poder da Escuta

Essa história ressalta a importância de estar presente, ouvir com intenção e buscar compreender plenamente a outra parte, mesmo em situações de intensa adversidade. E, também tem tudo a ver com tema deste artigo: como a simples tarefa de se manter no presente e simplesmente ouvir pode nos levar muito além em nossas carreiras. Ouvir é uma habilidade frequentemente subestimada, mas é um pilar fundamental na construção de relacionamentos sólidos, portanto, uma poderosa soft skill para o mercado de trabalho.

Mas como gerar resultados práticos simplesmente ao desenvolver esta habilidade? E como medir se a minha escuta está ou não gerando valor para a empresa e para a minha carreira?

A Ciência da Escuta

O professor Graham Bodie (2023), da Universidade do Mississippi, que é especialista em comunicação e argumentou em uma contribuição para uma revista inteira sobre “Escuta e capacidade de resposta” que se você pretende ser um ouvinte de “alta qualidade”, é útil sentir e compreender a outra pessoa, tornando esta uma importante técnica de construção de relacionamento. Em outras palavras: escuta ativa.

A escuta ativa não se limita a ouvir as palavras do outro, mas envolve uma compreensão profunda das emoções e pensamentos subjacentes. Isso inclui prestar atenção não apenas ao conteúdo verbal, mas também ao contexto emocional, às nuances e à linguagem corporal.

Rubem Alves, destacado psicanalista e escritor, nos lembra que:

“todo mundo quer aprender a falar… ninguém quer aprender a ouvir…”.

Nesse contexto, a escuta ativa é um caminho para decodificar os códigos emocionais e não verbais trocados entre os interlocutores. Ao nos aprofundarmos na escuta ativa e sensitiva, abrimos portas para uma compreensão mais rica e empática das perspectivas alheias, essencial para a negociação, conciliação e mediação em ambientes corporativos.

Graham Bodie aponta ainda que:

“a escuta competente é definida como atender a todas as informações disponíveis de uma forma que melhor preserve o conteúdo de uma mensagem (o que foi dito) e sua intenção relacional (o que deveria comunicar)”.

Segundo ele, vários fatores “precursores afetivos” (relacionados ao humor) podem ajudar a melhorar a capacidade de ouvir bem. Os “precursores afetivos” são elementos emocionais e sentimentais que antecedem e influenciam a nossa capacidade de ouvir atentamente. São estados emocionais ou disposições que trazemos para uma interação, como ansiedade, felicidade, tristeza ou irritação, que atuam como um pano de fundo que influencia a forma como interpretamos e respondemos às mensagens. Por exemplo, sentimentos positivos podem aumentar nossa empatia e capacidade de ouvir ativamente, tornando-nos mais receptivos e abertos à mensagem do interlocutor. Por outro lado, sentimentos negativos podem interferir na nossa capacidade de ouvir efetivamente. Podemos nos tornar mais defensivos, menos pacientes e menos propensos a entender verdadeiramente o ponto de vista do outro. Em outras palavras, você precisa ser capaz de deixar seus pensamentos e suas emoções de lado e concentrar-se no que a pessoa está realmente dizendo. Isso significa estar “no momento” e não se perder em divagação.

Há indícios de validação deste argumento nas pesquisas feitas por Albert Mehrabian e Susan Ferris para o Jornal of consulting psychology, que indicam que uma grande parte da comunicação face a face é composta por elementos não verbais, sendo 55% representados por gestos e expressões faciais, 38% pela tonalidade e outras características da voz, e apenas 7% pelas palavras propriamente ditas.

A regra de Mehrabian

Embora seja um estudo antigo e a super simplificação da análise possa levar a conclusões errôneas, ela nos dá indícios de que colocar esses componentes da escuta em termos concretos significa que você torne-se mais sensível à conversa como uma ferramenta relacional e também aos detalhes necessários para poder oferecer uma resposta. Ao nos esforçarmos para compreender e aplicar a escuta ativa em nosso dia a dia profissional, não apenas aprimoramos nossa capacidade de comunicação, mas também nos tornamos melhores negociadores, conciliadores e mediadores, capazes de construir pontes de entendimento e confiança entre as partes, fundamentais para o sucesso nas relações de trabalho e na diplomacia empresarial.

Os Comportamentos de uma Boa Escuta: Colocando a Teoria em Prática

Colocar-se no lugar do outro, entender e compreender suas dores é algo essencial para que possamos sair da bolha individual e enxergar o mundo além das nossas resistências. Além de evitar conflitos, é possível converter forças para a execução de negócios. A qualidade da comunicação faz com que todos executem de forma clara suas funções e cheguem mais rápido ao resultado.

Alguns comportamentos específicos que caracterizam um bom ouvinte:

Capacidade de manter o foco: Evite a distração com elementos externos tais como olhar constantemente mensagens no celular, pessoas que passam ou tentar resolver questões diferentes daquela que é o seu foco no momento. Se alguém busca por uma conversa o indicado é largar tudo e ouvir o que a pessoa tem a dizer, pois essa é a necessidade dela, e quem ouve precisa ser empático. Caso não possa fazer isso, apenas explique a ela que você vai ouvi-la assim que terminar o que está fazendo. Mas, faça isso olhando para ela.

Saber escutar o que a pessoa tem a dizer: Por mais que se diga “pode falar, estou prestando atenção”, enquanto mexe no celular ou faz qualquer outra coisa ao mesmo tempo, tenha certeza que informações relevantes serão perdidas, além da outra pessoa sentir aquele desânimo por não ter a sua atenção. Separe alguns minutos para entender, absorver e focar na ideia que a outra pessoa está passando. Você pode até me perguntar: “Mas e se eu não tiver tempo?” ou talvez “E se a pessoa falar muito devagar?”. A resposta para isso tudo é simples: Posicione a ela o que você quer. Por exemplo: “Antes de você continuar, posso te pedir uma coisa?” – consiga o “SIM” dela. Então complete: “Quero muito ouvir o que tem para dizer, mas tenho uma reunião em 5 minutos. Você acha possível resumir o que tem para dizer neste tempo, ou prefere me falar em um outro momento?”. Este tipo de comunicação mostra que você tem a intenção de ouvi-la e é também um sinal de respeito.

Preste atenção nos sinais: Nosso corpo fala, mesmo quando não percebemos ou temos a intenção de demonstrar. Na escuta ativa, é importante prestar atenção nos gestos, olhares, reações do corpo e entonação da voz, para captar mensagens não ditas de forma evidente. As reações do corpo enquanto uma pessoa fala, demonstra muito o que ela está sentindo ao expressar aquilo. Ao saber interpretar isso, as chances de ter um diálogo bem sucedido e uma relação melhor são maiores. Um exemplo disso você pode notar em uma conversa presencial no corredor da empresa onde trabalha. Quando parar algum colega para conversar, note para que lado os pés dele estão virados. Quando a pessoa quer sair da conversa por ela ser desinteressante no momento, em geral os pés estarão apontados para a porta, corredor ou alguma saída. Caso contrário, os pés estarão virados para você e isso significa que a pessoa quer prestar atençao no que está dizendo.

Guarde seu tempo para a pessoa: Se alguém te chama para conversar, é porque realmente confia e julga que você pode ser a melhor pessoa para ouvi-la. O tempo é o maior bem que uma pessoa pode oferecer à outra e ao se mostrar disponível, faça valer essa máxima. Geralmente, a pressa vem junto com a interrupção da lógica do outro, o que torna a conversa extremamente desagradável e até mesmo irritante para quem está tentando falar alguma coisa. Pare. Escute. Reflita. Questione, se necessário. Participe da conversa de forma empática e amigável, sem atropelar, ou querer preencher o espaço com fala. Assim, a pessoa que fala confiará que você é alguém que a entende.

Não julgue: Muitas vezes a opinião pessoal sobre determinado assunto tende a prevalecer num diálogo, mas quando se trata de escuta ativa isso não pode acontecer. Nem todas as pessoas concordam umas com as outras. Portanto, enquanto alguém estiver falando o seu ponto de vista, não interrompa, tampouco desdenhe se você não concordar. Abra a mente, escute e reflita se não vale mudar sua opinião e visão sobre determinado assunto. O radicalismo em excesso faz mal para todos e nosso objetivo é tornar o diálogo uma arma universal para convivermos em harmonia. E mesmo que não concorde com a pessoa, não tem problema, no processo de escuta ativa você só precisa escutar para entender o pensamento da outra pessoa, não precisa concordar ou querer interferir no que ela pensa. Na verdade, saber disso é algo muito libertador, pratique e verá.

Desapegue de filtros: Para exercer o papel de uma escuta ativa, evite ser seletivo. Não filtre somente termos e frases que lhe convém. Ao fazer isso, você acaba pegando um atalho para julgamentos desnecessários, o que vai na contramão da prática da empatia e escuta ativa. Desapegue de filtros! A exposição a realidades diferentes é um bom começo para abrir a mente e se colocar no lugar do outro. Afinal, possivelmente poderíamos pensar de forma similar à outra pessoa se tivéssemos as mesmas experiências de vida e aprendizados que ela teve.

Pratique o debate saudável: Ao ouvir e prestar atenção você leva a questão para outro campo. Se há discordância sobre pontos de vista, o melhor é mostrar a amplitude de um tema. São vários ângulos que um mesmo assunto pode ter e ao ajudar seu interlocutor a pensar nessas possibilidades, você também amplia sua capacidade de analisar situações no mundo real.

Quando estamos prestando atenção em algo e absorvendo realmente o assunto, é inevitável não fazer perguntas, para saber além do que foi dito. É uma forma também de exercitarmos o pensamento crítico diante de temas que são abordados diariamente em sociedade. Fazendo perguntas, você demonstra interesse pelo que o outro está falando e também a vontade de aprender e entender do assunto. Quer entender um pouco mais sobre essas técnicas de escuta ativa em conversas? Então dá uma olhada nesse vídeo sobre a Dança do Insight. Ali você encontra um passo a passo de como praticar isso. Esse vídeo é parte de um workshop que demos a um dos nossos clientes e o acesso é limitado a quem está lendo esse artigo.

Aprenda a acalmar a mente: Ouvir as coisas enquanto está nervoso, com raiva ou até mesmo aflito, faz com que tudo se misture. Técnicas de mindfulness e atenção plena são ótimas soluções. Aliar essas práticas à comunicação auxiliam no controle da ansiedade fazendo com que você tenha acesso aos seus recursos cognitivos, portanto uma maior percepção sobre o que pensa e fala.

Seja um espelho: Ser apenas um ouvinte não demonstra que é uma escuta ativa. Mostre para a pessoa que você realmente entendeu o que ela disse. Seja para um cliente, funcionário ou amigo, exercite o modo do espelho. O que é isso? Simplesmente conversar com ela e usar termos e falas que o outro disse, para mostrar verdadeiramente que entendeu sobre o assunto (veja o vídeo acima). Aprenda a parafrasear, colocando com suas palavras a mensagem que acabou de ouvir. Isso, além de demonstrar interesse, pode ajudar a outra pessoa a ficar mais à vontade, mesmo que ela não saiba se expressar muito bem na forma oral.

A Escuta como Chave para o Sucesso

A escuta ativa transcende a simples ação de ouvir palavras; ela se configura como uma arte essencial no universo da comunicação, especialmente em contextos profissionais onde negociações, conciliações e mediações são rotineiras. A escuta ativa e sensitiva abre portas para um entendimento profundo dos motivos e razões que guiam as ações e palavras de nossos interlocutores, facilitando a construção de acordos sustentáveis e a formação de relações baseadas em confiança e respeito mútuo.

Este processo não só demanda um treinamento e autoconhecimento contínuos, mas também um conhecimento profundo do outro, evidenciando que mais do que uma habilidade, a escuta ativa é um caminho para o crescimento e a excelência em qualquer carreira. Portanto, que possamos nos dedicar a desenvolver essa capacidade, tornando-nos não apenas melhores profissionais, mas também indivíduos mais empáticos e compreensivos em todas as esferas da vida.

Esse artigo foi elaborado em colaboração por Charles Betito , especialista em treinamento de lideranças e promoção de saúde mental no trabalho, e Murilo Furtado de Mendonça Jr. , consultor em educação corporativa, escritor e professor de mediação de conflitos e negociação

Mais artigos

plugins premium WordPress