Você já ouviu falar sobre o Jim Carrey, certo? Aquele ator que fez o mundo todo rir com filmes como O Máskara e O Mentiroso. Mas o que muita gente não sabe é que, por trás de todo aquele carisma e sucesso, ele estava lutando contra algo muito sombrio: a depressão.
Imagina só, ele chegava em casa após mais um dia de gravação, cercado de aplausos e reconhecimento, e tudo o que ele sentia era um vazio enorme. Ele falava sobre isso em suas entrevistas de uma forma muito real, dizendo que, mesmo estando no topo da carreira, parecia que nada mais fazia sentido. Carrey descrevia sua depressão como se estivesse constantemente em uma névoa escura, sem ver saída, enquanto o mundo ao seu redor só via o brilho de suas conquistas.
Ele sentia que a depressão era como um buraco profundo, onde a sensação de apatia dominava. Ele acordava todas as manhãs sem motivação para seguir em frente, como se cada dia fosse uma batalha para encontrar um propósito. A tristeza não era momentânea, era uma constante. Ele sentia como se o riso que proporcionava aos outros estivesse se esvaindo dentro de si, deixando um sentimento de isolamento e uma incapacidade de se conectar com o mundo à sua volta. Embora tivesse tudo que muitos sonhavam — sucesso, dinheiro, fama —, nada disso parecia preencher o vazio emocional que ele sentia. Ele vivia numa espécie de piloto automático, onde tudo ao redor parecia desconectado de sua realidade interna.
Aí você me pergunta: “O que ele fez? Como ele saiu disso?”. Bem, esse é o ponto interessante. Ele encontrou algo que mudou completamente a maneira como ele via o mundo e, mais importante, como ele via a si mesmo. Mas não vou dar a resposta ainda. Primeiro, vamos entender melhor o que estava acontecendo dentro da mente dele e como nossas percepções podem, muitas vezes, ser o que nos mantém presos nesse ciclo.
Mas o que é depressão, afinal?
Vamos conversar sobre o que realmente é a depressão de um jeito mais simples. A palavra “depressão” é muito usada no dia a dia para falar de uma tristeza profunda, mas, na verdade, ela envolve várias formas de transtornos que estão descritos no Manual Diagnóstico e Estatístico de Transtornos Mentais, 5ª edição (também conhecido como DSM-5). Esse manual foi criado pela Associação Americana de Psiquiatria para padronizar como os médicos diagnosticam questões relacionadas à mente e emoções, e é utilizado no mundo inteiro.
Os transtornos depressivos incluem vários tipos:
(i) transtorno disruptivo da desregulação do humor, (ii) transtorno depressivo maior (que pode ser chamado de episódio depressivo maior), (iii) transtorno depressivo persistente, (iv) transtorno disfórico pré-menstrual, (v) transtorno depressivo induzido por substâncias ou medicamentos, (vi) transtorno depressivo causado por outra condição médica e (vii) outros transtornos depressivos especificados ou não especificados.
O que todos eles têm em comum é que deixam a pessoa com o humor triste, vazio ou irritado. O que varia é a duração e a causa do transtorno, mas, em todos os casos, isso afeta a vida da pessoa, tornando tarefas diárias bem mais difíceis.
Se pensarmos no caso do Jim Carrey, por exemplo, ele enfrentou uma depressão persistente, que é algo mais crônico, durando mais de dois anos. O ator Robin Williams também enfrentou algo semelhante. A forma mais comum de depressão, que afeta muitas pessoas ao redor do mundo, é o Transtorno de Depressão Maior (TDM), que pode ser difícil de diagnosticar.
Isso porque, em alguns casos mais leves, a vida da pessoa pode parecer normal para quem está de fora. Em vez de se queixar de tristeza profunda, ela pode falar mais sobre cansaço (fadiga) ou insônia. E isso torna a investigação dos sintomas um pouco mais complicada, o que leva ao subdiagnóstico. É por isso que sintomas como distúrbios do sono e fadiga aparecem bastante nas pessoas que têm depressão. E se a forma leve da depressão não for tratada, ela pode evoluir para algo mais grave.
Quando falamos de um episódio depressivo maior, estamos falando de um período de pelo menos duas semanas em que a pessoa se sente muito deprimida ou perde o interesse por quase todas as atividades. Em crianças e adolescentes, é mais comum que essa depressão apareça como irritabilidade. Para que seja diagnosticada, é preciso apresentar pelo menos quatro outros sintomas além da tristeza ou irritabilidade, como mudanças no apetite ou peso, dificuldades para dormir ou se movimentar, falta de energia, sentimentos de culpa ou desvalorização, dificuldade de concentração ou até pensamentos recorrentes sobre morte ou suicídio.
Agora, se a gente olhar para o lado fisiológico, a depressão está muito ligada a um desequilíbrio nos níveis de serotonina no cérebro. É por isso que, quando você está deprimido, tudo parece muito mais difícil. Parece que tem uma neblina distorcendo o jeito como você enxerga o mundo e a si mesmo. Tudo fica mais pesado, sem cor, e até aquelas coisas que antes te traziam alegria podem parecer sem graça. Já sentiu algo assim?
E aí vem a pergunta: o que acontece no cérebro de quem está deprimido? A ciência já mostrou que a depressão vai além das emoções — ela causa mudanças reais no cérebro. Os pesquisadores descobriram que neurotransmissores como serotonina, dopamina e noradrenalina, que são os químicos que ajudam a regular nosso humor, ficam fora de equilíbrio nas pessoas com depressão. Isso ajuda a explicar por que coisas simples, como sair da cama ou conversar com alguém, podem parecer tarefas gigantes.
Você pode imaginar os neurotransmissores como pequenos mensageiros químicos que ajudam as células nervosas a “conversarem” entre si. Quando você está deprimido, os níveis desses mensageiros ficam descontrolados. Pense na serotonina, por exemplo, como o sol em um dia bonito. Quando você está deprimido, essa luz diminui bastante, o que afeta desde sua capacidade de sentir prazer até a maneira como você reage ao estresse.
A neurocientista e psiquiatra Yvette Sheline, da Washington University, que estuda a depressão e os transtornos do humor, descobriu que áreas do cérebro, como o córtex pré-frontal (responsável por controlar nossas emoções e decisões), ficam menos ativas em pessoas deprimidas. Isso faz com que lidar com os desafios do dia a dia fique muito mais difícil. Além disso, as amígdalas, que respondem ao medo e ao estresse, ficam sobrecarregadas, fazendo com que problemas pequenos pareçam muito maiores do que realmente são.
Então, basicamente, a depressão faz com que o cérebro veja o mundo de uma forma distorcida e cheia de obstáculos. E isso não é só uma questão emocional — há toda uma mudança física acontecendo dentro do seu cérebro, que explica por que sair desse estado pode ser tão desafiador.
Por que a percepção é tão importante para sair da depressão?
Talvez você já tenha ouvido alguém dizer que depressão não é apenas “ficar triste”. E é verdade! Ela vai muito além disso. A depressão tem a habilidade de distorcer a maneira como você enxerga o mundo ao seu redor. Aqueles pequenos desafios do dia a dia, que normalmente você resolveria sem grandes problemas, de repente se tornam gigantescos. Um atraso no trânsito, por exemplo, pode parecer uma prova de que o universo está contra você. Já aconteceu com você?
E aquele momento em que alguém não responde sua mensagem? Pode ser apenas que a pessoa esteja ocupada ou distraída, mas quando estamos deprimidos, é comum pensar que isso significa que ela está nos ignorando, ou pior, que você fez algo errado. Tudo parece ganhar uma conotação negativa, e qualquer evento pequeno do dia vira uma montanha de sentimentos ruins.
Como a depressão distorce a percepção?
É aqui que entra a questão dos vieses cognitivos. Sabe quando colocamos um óculos de sol e tudo ao nosso redor parece mais escuro? Os vieses cognitivos funcionam de maneira semelhante, mas no seu cérebro. Eles são como filtros que a sua mente usa para interpretar o que está acontecendo ao seu redor. Quando você está deprimido, esses filtros ficam sujos, distorcidos, e deixam passar apenas as coisas negativas. O resultado? Você começa a ver tudo de uma maneira mais sombria do que realmente é.
Por exemplo, imagine que você está no trabalho e seu chefe elogia o seu desempenho, mas logo depois acrescenta um pequeno comentário sobre algo que você pode mudar para melhorar. Em um dia normal, você provavelmente ficaria feliz com o elogio e consideraria a crítica como uma forma de melhorar. Mas, quando a depressão está presente, o seu cérebro tende a focar só na crítica, ignorando completamente o elogio. É como se houvesse uma lente distorcida que só deixa passar o que é negativo.
Esses vieses são mecanismos automáticos do nosso cérebro. Ele faz isso para tentar dar sentido ao que está acontecendo ao nosso redor, especialmente quando as informações são incompletas. Quando alguém não responde à sua mensagem, seu cérebro rapidamente tenta preencher as lacunas: “Será que ele está bravo comigo?” ou “Será que eu fiz algo errado?”. O problema é que, com a depressão, a sua mente preenche essas lacunas com a pior explicação possível. Parece familiar?
Mas aqui está a parte interessante: esses vieses, ou filtros, são construções da sua própria mente. Isso significa que, assim como foram criados, eles também podem ser mudados. E é aí que está a grande oportunidade de transformação. Pode parecer impossível agora, mas ao perceber que esses pensamentos negativos não são a verdade absoluta – mas sim distorções criadas pela sua mente – você começa a abrir espaço para mudanças.
É como aprender um novo hábito. No começo, você pode nem perceber quando está caindo nesses vieses. Eles são automáticos e muito sutis. Mas, com o tempo, você começa a identificar esses padrões de pensamento negativo. E, a partir daí, pode começar a desafiá-los.
Pense assim: se o seu cérebro tem o poder de criar esses filtros negativos, ele também tem o poder de reconfigurá-los para algo mais equilibrado.
Isso não quer dizer que, ao mudar sua percepção, tudo vai magicamente melhorar de uma hora para outra. A tristeza e as dificuldades ainda estarão lá, mas o modo como você lida com elas pode ser completamente diferente. Quando você começa a treinar sua mente para ver as situações de maneira mais clara e realista, você começa a ganhar mais controle sobre seus sentimentos e reações. Parece um caminho difícil, eu sei, mas é totalmente possível.
No fim das contas, o que eu quero te mostrar é que mudar a percepção é como tirar os óculos escuros em um dia nublado. Aos poucos, você vai enxergando mais nitidamente, e aquele peso que parecia esmagador pode começar a diminuir. Isso não significa que tudo será sempre fácil, mas com prática e paciência, você pode começar a ver o mundo e a si mesmo de um jeito diferente.
Quais distorções cognitivas alimentam a depressão?
Vamos explorar algumas das distorções cognitivas mais comuns que a depressão cria e entender por que elas têm tanto poder sobre nossa mente:
1. Interpretação negativa de eventos ambíguos:
Imagine o seguinte: você está em um café e vê um amigo que passa por você sem cumprimentá-lo. Em um estado mental saudável, você pode pensar que ele estava distraído, não te viu, ou estava com pressa. No entanto, quando estamos deprimidos, nossa mente preenche essa lacuna com suposições negativas. De repente, surge o pensamento: “Ele deve estar bravo comigo”, “Fiz algo errado”, ou até mesmo “Ele não gosta mais de mim”.
Quando algo não está claro ou ambíguo, nossa mente deprimida opta automaticamente pelo pior cenário possível. É como se estivéssemos programados para procurar problemas onde eles podem nem existir. Esse tipo de pensamento alimenta ainda mais a sensação de isolamento e rejeição, mesmo que a realidade seja muito diferente.
2. Viés de seleção para o negativo:
Você já teve um dia onde várias coisas boas aconteceram, mas, no final, tudo o que você consegue lembrar são as poucas que deram errado? Esse é o famoso viés de seleção para o negativo, uma das armadilhas mais cruéis da depressão. Mesmo que 90% do seu dia tenha sido positivo, sua mente deprimida se apega exclusivamente aos 10% negativos.
As coisas boas que acontecem ao nosso redor são ignoradas ou minimizadas, enquanto as experiências negativas são exageradas. O resultado? Você reforça a ideia de que “nada dá certo”, mesmo quando, objetivamente, isso não é verdade. É como se você estivesse constantemente usando uma lupa sobre os problemas, ignorando completamente os momentos bons.
3. Generalização excessiva:
Quem nunca cometeu um erro no trabalho? Naturalmente, cometer erros faz parte da vida e do aprendizado, mas, quando estamos deprimidos, nossa mente transforma essa única falha em uma regra para tudo. De repente, aquele erro se torna a prova de que “eu sou um fracasso”, “nada na minha vida dá certo” ou “eu nunca faço nada direito”.
Esse tipo de generalização excessiva transforma pequenos incidentes em verdades universais. Ao fazer isso, a depressão pega uma experiência isolada e a aplica a toda a sua vida, criando uma sensação de desesperança e impotência. A mente deprimida se recusa a ver os eventos como únicos e temporários – tudo é ampliado e transformado em um desastre permanente.
4. Pensamento de tudo ou nada:
Se você já se pegou pensando que ou você é um sucesso total ou um fracasso completo, então você já experimentou o pensamento de tudo ou nada. Esse tipo de distorção não deixa espaço para nuances, para o “meio termo”. Ou você é perfeito, ou está totalmente errado. Ou as pessoas te adoram, ou te odeiam. Não há lugar para o equilíbrio.
Por que isso é tão destrutivo? Porque a vida raramente é 8 ou 80. Quando estamos presos nesse padrão de pensamento, perdemos a capacidade de ver a complexidade e a realidade das situações. Se você faz algo errado, em vez de ver isso como uma parte natural do processo de crescimento, sua mente deprimida te coloca no extremo: “Eu sou um fracasso”. Esse tipo de pensamento cria uma pressão constante para ser perfeito, o que é simplesmente impossível, e, ao falhar em atingir esse ideal inatingível, a sensação de inadequação se intensifica.
Essas distorções, quando somadas, criam um ciclo vicioso em que tudo parece mais difícil e sombrio do que realmente é. A depressão alimenta esses pensamentos, e eles, por sua vez, alimentam a depressão, tornando muito difícil escapar dessa espiral negativa. Mas o importante é reconhecer que esses padrões de pensamento são apenas isso: padrões, e não a realidade. E, uma vez que você começa a identificá-los, pode trabalhar para quebrá-los, substituindo-os por formas de pensar mais equilibradas e saudáveis.
Como essas distorções impactam sua vida diária?
Vamos imaginar juntos uma situação do seu dia a dia: você teve três eventos importantes. O primeiro foi positivo – você foi elogiado(a) pelo trabalho que você entregou. O segundo foi neutro – você encontrou um colega na cozinha do trabalho, trocaram um sorriso rápido, mas não houve muita interação. O terceiro foi negativo – alguém com quem você estava saindo disse que não quer continuar o relacionamento. Três eventos, certo? Um bom, um neutro e um ruim.
Agora, se sua mente estiver funcionando de forma saudável, você provavelmente vai interpretar o dia como um mix de coisas boas, neutras e, claro, uma decepção. Você pode até ficar chateado com o término, mas também reconhece o elogio pelo seu trabalho e o encontro com o colega como coisas normais ou até positivas.
Mas quando você está deprimido, é isso que acontece: o elogio recebido? Você provavelmente vai ignorá-lo ou minimizá-lo, pensando que “isso só foi dito por educação”. O encontro com o colega? Sua mente pode transformar isso em algo negativo, do tipo “ele não falou comigo porque não gosta de mim”. E o término? Ah, isso vai dominar o seu dia. Vai parecer que tudo gira em torno dessa rejeição, como se fosse a única coisa que realmente aconteceu.
No fim do dia, você fica com a sensação esmagadora de que tudo deu errado. Mesmo com o elogio e o encontro neutro, sua mente focou tanto no negativo que é como se aquelas coisas boas nem tivessem existido. E quando você só consegue ver o lado ruim, não demora muito para começar a acreditar que tudo está indo mal e, pior ainda, que o problema é você.
Esse tipo de pensamento não é só uma sensação – ele tem base biológica. Um estudo publicado no Journal of Abnormal Psychology mostrou que pessoas com depressão têm mais dificuldade em processar informações positivas e, ao mesmo tempo, são mais sensíveis a estímulos negativos. Nesse estudo, os participantes deprimidos foram expostos a uma série de imagens e palavras positivas e negativas. O que os pesquisadores descobriram é que os cérebros das pessoas com depressão reagiram com muito mais intensidade às imagens e palavras negativas do que às positivas .
Isso significa que, quando você está deprimido, seu cérebro literalmente se agarra ao que deu errado, mesmo que tenha havido várias coisas boas ao longo do dia. É como se ele tivesse uma tendência automática a focar no que vai mal, enquanto o que poderia te deixar feliz fica em segundo plano.
Isso acontece, em parte, por conta de um desequilíbrio em alguns neurotransmissores, que são as substâncias químicas responsáveis por fazer as células cerebrais se comunicarem. Neurotransmissores como a serotonina e a dopamina têm tudo a ver com nosso humor e sensação de prazer. Só que, quando você está deprimido, os níveis desses químicos ficam desregulados, e isso afeta a forma como você se sente. Com menos dopamina, por exemplo, fica muito mais difícil se sentir motivado para se envolver com atividades que normalmente te fariam bem. É como se seu cérebro perdesse um pouco da capacidade de te fazer sentir alegria.
Além disso, o estresse crônico – que é algo que geralmente acompanha a depressão – acaba prejudicando ainda mais o cérebro. Quando estamos sob estresse constante, nosso corpo libera um hormônio chamado cortisol. O problema é que, quando esse hormônio fica presente em níveis altos por muito tempo, ele começa a danificar partes do cérebro. O hipocampo, por exemplo, que é uma área responsável por processar memórias, pode encolher. Isso significa que o seu cérebro tem mais dificuldade em se lembrar de coisas boas ou processar de forma equilibrada o que acontece com você. Por isso, até os momentos positivos do dia parecem não ter a mesma força que os negativos.
Outra parte muito importante que é afetada pela depressão é o córtex pré-frontal, que é a área do cérebro que ajuda você a controlar suas emoções e tomar decisões racionais. Quando o estresse e a depressão afetam essa região, ela fica menos ativa e, com o tempo, pode até diminuir de tamanho. Isso enfraquece sua capacidade de controlar os pensamentos negativos, então o cérebro acaba se agarrando ao que deu errado e tem muita dificuldade em se concentrar no que poderia te deixar feliz.
Por tudo isso, a depressão não é só uma questão de “pensar positivo” ou “ver o lado bom”. O cérebro, literalmente, muda – ele fica preso em um ciclo em que é mais fácil focar no que deu errado. Mas, calma! Essas mudanças não são definitivas.
O que podemos fazer para mudar essa percepção?
Ainda não se sabe exatamente a causa da depressão, mas os especialistas já têm algumas boas pistas. Sabe-se que a depressão envolve uma mistura de fatores genéticos (hereditariedade), epigenéticos (que são mudanças nos genes influenciadas pelo ambiente), alterações nos níveis dos neurotransmissores, mudanças no sistema neuroendócrino (que controla os hormônios) e fatores psicossociais, como traumas ou estresse. Ou seja, são várias peças desse quebra-cabeça que, juntas, acabam levando à depressão.
Quando falamos de tratamento, os profissionais de saúde, como psicólogos e psiquiatras, geralmente recomendam uma combinação de medicamentos e psicoterapia, ou apenas um deles, dependendo do caso. E tem mais uma coisa interessante: estudos da neurocientista e professora de Harvard, Sara W. Lazar, mostraram que a meditação pode ser uma ótima aliada nesse processo. Com mais de 20 anos de pesquisas, ela descobriu que a meditação pode ajudar o cérebro – especialmente o córtex pré-frontal – a lidar melhor com o estresse e a reduzir os efeitos do cortisol (o famoso hormônio do estresse).
A prática de mindfulness e meditação no ambiente de trabalho é um dos pilares fundamentais dos nossos programas de saúde mental corporativa. Embora essas técnicas possuam um sólido respaldo científico, é essencial enfatizar que elas são apenas ferramentas, e não um objetivo final. Para que sejam eficazes, é crucial contar com alguém que consiga conectar essas práticas ao cotidiano profissional, evitando conceitos abstratos que não se aplicam à realidade das pessoas.
Além disso, técnicas da TCC (Terapia Cognitivo-Comportamental) também têm se mostrado eficazes para ajudar a mudar a forma como você percebe o mundo e lida com a depressão. A TCC foca em identificar e mudar padrões de pensamento distorcidos, e existem alguns exercícios práticos que podem te ajudar a reconfigurar sua mente. Aqui estão algumas práticas que podem ser úteis nesse processo:
1. Exercício de materialidade de mentalidade
Este exercício vem de práticas de meditação de tradições antigas e nos ajuda a distinguir o que é real do que é criado pela nossa mente. Pegue um objeto ao seu redor – digamos, uma caneca. A caneca é de cerâmica, tem uma certa cor, peso e forma. Tudo isso é parte da realidade objetiva. No entanto, nossa mente muitas vezes adiciona camadas de interpretação: “Essa caneca me lembra de quando eu estava feliz, mas agora não sinto mais isso”. O exercício consiste em treinar para reconhecer essas camadas extras que nossa mente cria e focar no que é realmente objetivo.
Quando aplicamos isso a situações cotidianas, como interações com colegas ou amigos, podemos perceber que muitas de nossas interpretações negativas são apenas criações da nossa mente.
2. Desafiar as interpretações negativas
Um exercício simples, mas poderoso, é pegar uma situação que você interpretou de forma negativa e listar evidências a favor e contra essa interpretação. Por exemplo, se você acha que um amigo está bravo com você porque não respondeu sua mensagem, liste todas as razões possíveis para isso – tanto as que indicam que ele pode estar bravo, quanto as que sugerem que ele pode apenas estar ocupado. O objetivo aqui é treinar sua mente a considerar múltiplas interpretações, e não apenas as mais negativas.
3. Tirar o “eu” da equação
A depressão frequentemente faz com que nos concentremos excessivamente em nós mesmos – “Se algo deu errado, é por minha culpa”. Mas e se não for? Tente tirar o “eu” das situações. Em vez de pensar “meu colega não falou comigo porque não gosta de mim”, pense “meu colega pode estar ocupado ou distraído”. Isso ajuda a diminuir o peso da autorresponsabilização e abre espaço para uma visão mais equilibrada.
Mudando a percepção, mudamos a vida
Se você chegou até aqui, talvez já tenha reconhecido em sua própria vida alguns desses padrões de pensamento, ou tenha se identificado com a ideia de que, às vezes, a mente parece se agarrar ao negativo e ignorar o positivo. E isso não é sua culpa, é como a depressão trabalha para distorcer sua percepção, colocando um filtro escuro sobre a sua visão do mundo.
Mas aqui está a boa notícia: esses padrões podem ser mudados. Pode não ser fácil e não acontecer da noite para o dia; no entanto, o primeiro passo é a consciência – reconhecer que essas distorções estão lá e que não são reflexos da realidade, mas sim construções da mente. A cada vez que você desafia um pensamento negativo, que busca evidências contrárias, ou que se dá a chance de ver uma situação sob uma luz diferente, você está dando um passo em direção à melhora.
A mudança não vem de uma só vez, mas de pequenos momentos de percepção, de praticar uma nova forma de pensar, de tentar, mesmo quando parece impossível. Imagine-se tirando lentamente aqueles óculos escuros que a depressão colocou sobre seus olhos. De início, a luz pode parecer ofuscante, difícil de enxergar, mas, com o tempo, o mundo ao seu redor vai se tornando mais claro, mais equilibrado. As cores voltam, os detalhes que antes estavam escondidos pela névoa começam a surgir.
E se tem algo que quero que você leve deste artigo é que você tem o poder de começar essa mudança. Sua mente, embora pareça dominada por essas distorções, é flexível, capaz de reconfigurações incríveis. Você pode começar a treinar sua percepção para ver o mundo de forma mais realista e justa, para enxergar tanto o que é bom quanto o que é difícil, sem distorções.
A transformação é possível. A cada pequeno passo, você se aproxima de uma vida com mais equilíbrio, mais luz e menos peso. E lembre-se: você não está sozinho nessa jornada. Assim como Jim Carrey, assim como tantos outros, você também pode encontrar uma maneira de ver o mundo – e a si mesmo – de um jeito diferente, mais gentil e mais verdadeiro. Um passo de cada vez, com paciência e coragem, você pode começar a quebrar esse ciclo. Porque, sim, a mudança é possível.