“Poucos terão a grandeza de mudar a própria história, mas cada um de nós pode trabalhar para mudar uma pequena parte dos acontecimentos. É a partir de inúmeros atos de coragem e convicção que a história humana é moldada. Cada vez que um homem se levanta por um ideal, age para melhorar a sorte dos outros ou luta contra a injustiça, ele emite pequenas ondas de esperança que, ao se cruzarem com outras ondas provenientes de diferentes centros de força e coragem, formam uma corrente que pode derrubar os mais fortes muros de opressão e resistência.”
As palavras de Robert F. Kennedy nunca fizeram tanto sentido quanto nesse momento de incertezas em que vivemos no frenético mundo contemporâneo. E eu estou falando de saúde mental – mas calma, volto a falar disso mais para frente.
O estado da saúde mental no local de trabalho mudou substancialmente nos últimos quatro anos. Os empregadores obtiveram ganhos visíveis desde então, fornecendo benefícios ampliados, aplicativos de meditação, programas de atenção plena, dias de saúde mental e campanhas de conscientização. Na verdade, nunca se falou tanto em bem-estar, saúde mental e felicidade no mercado corporativo. Temas que antes eram vistos como superficiais ou tabus estão sendo falados e debatidos por C-levels e grandes empresas passaram a criar diretorias de felicidade corporativa.
No entanto, estes investimentos por si só não são suficientes. Os indicadores continuam preocupantes: em uma pesquisa do Future Forum com 10 mil colaboradores em sete países (Alemanha, Austrália, Estados Unidos, França, Japão e Reino Unido), 42% dos entrevistados relataram sintomas de burnout no último ano. No estudo State of the Global Workplace: 2023 Report da Gallup, 44% dos colaboradores disseram que passaram por muito estresse no trabalho no dia anterior. Além disso, somente 23% dos colaboradores estão engajados globalmente, segundo o mesmo relatório da Gallup. E 71% consideram que talvez suas reuniões não estejam sendo produtivas, de acordo com o relatório The Cost of Unnecessary Meeting Attendance.
Estamos cansados, sobrecarregados, ansiosos, preocupados, deprimidos, solitários e também improdutivos e desengajados. Não estamos bem como indivíduos, mas também não estamos gerando os melhores resultados nas empresas. Mas, a passos curtos, a mudança já está acontecendo. O trabalho não pode ser mais um ofensor em nossa saúde mental e nem deve ser toda a dedicação da nossa vida.
Já que em poucos dias, neste mês inicial de 2024, entramos na celebração da campanha Janeiro Branco, uma iniciativa para conscientizar a população sobre a importância da saúde mental; e a chegada de um novo ano pede uma reflexão do ano que se passou, um balanço do que acertamos e o que precisamos mudar, trago algumas reflexões sobre a saúde mental no ambiente de trabalho em 2023: Onde estamos e para onde queremos ir?
A saúde mental no ambiente de trabalho em 2023 em números
Como você se sente no final de ano de trabalho? Se a resposta puder ser resumida como “não muito bem”, você não está sozinho.
Um novo relatório, Advancing Workforce Wellbeing, da consultora Deloitte descobriu que; “cerca de metade ‘sempre’ ou ‘frequentemente’ se sente exausto (52%) ou estressado (49%), e outros relatam sentir-se sobrecarregados (43%), irritados (34%), solitários (33%), deprimidos (32%) , e até irritado (27%)”. O relatório é baseado em uma pesquisa com 3.150 funcionários, gerentes e executivos C-Suite nos EUA, Reino Unido, Canadá e Austrália.
Mas no Brasil a coisa não é muito diferente. Um estudo da Conexa, ecossistema digital de saúde, realizado com gestores e profissionais de recursos humanos de 767 empresas do país, constatou que a saúde mental do brasileiro no ambiente do trabalho não está em seu melhor momento. Das 1.589 pessoas que responderam perguntas elaboradas pela startup, 87% afirmaram ter ocorrido afastamento em sua corporação por causa de doenças que afetam a mente do colaborador. Isso somente neste ano.
A ansiedade (com 51%) é o transtorno, de acordo com os pesquisados, que mais afastou as pessoas do trabalho, seguido por depressão (17%), estresse (16%) e síndrome de Burnout (14%). O estudo foi feito nos dias 8, 9 e 10 de agosto com visitantes do Congresso Nacional de Gestão de Pessoas (Conarh) neste ano, em São Paulo.
Do total, 48% dos gestores e funcionários de RH ainda relataram que, por percepção, eles acreditam que possam existir pelo menos 10% de colaboradores espalhados em suas empresas com doenças mentais não detectadas. Outros 19% acham que 20% dos funcionários em seus ambientes de trabalho têm diagnósticos ainda não identificados, além de também 19% declararem que não sabem dizer.
O estudo “FEEx – FIA Employee Experience”, conduzido pela FIA Business School, com a participação de 188 mil pessoas de 419 empresas brasileiras, trouxe outros dados alarmantes: três em cada dez profissionais enfrentam estresse excessivo, com um impacto desproporcional nas mulheres, que apresentam 12% a mais de cargas mentais e 73% mais casos de Burnout. Os impactos negativos desse quadro vão além de afetar o bem-estar dos colaboradores.
O estudo revelou uma ligação clara entre a saúde mental dos funcionários e o desempenho das empresas. Empresas que investem em programas de saúde mental experimentaram níveis mais altos de produtividade, engajamento e satisfação no trabalho. Isso destaca a importância de reconhecer que os colaboradores são seres humanos completos com necessidades emocionais e psicológicas que precisam ser atendidas para que possam contribuir de maneira eficaz para o sucesso organizacional.
A Atticus, empresa americana de advocacia que apoia pessoas a buscar ajuda do governo e de seguros, estima em seu novo estudo, que 12 bilhões de dias de trabalho são perdidos anualmente devido a problemas de saúde mental, que custam à economia global cerca de US$ 1 trilhão, segundo a Organização Internacional do Trabalho. No Brasil, transtornos mentais relacionados ao trabalho são a terceira maior causa de afastamento, segundo Tânia Maria de Araújo, pesquisadora da UEFS, em entrevista à Forbes.
O que aprendemos até aqui?
A saúde mental não está melhorando, mas existem alguns pontos positivos, como os investimentos dos empregadores nos esforços de saúde mental no local de trabalho que compensam e criam mudanças positivas nas experiências dos trabalhadores. Aqui está algumas atitudes que tem se mostrado eficaz nessa jornada:
Investir na cultura organizacional supera a terapia e o autocuidado: Historicamente, o apoio à saúde mental por parte dos empregadores centrou-se principalmente em torno de uma abordagem individualizada e produtiva – terapia, aplicativos e folga. Isto equipa os trabalhadores com os recursos para autogerir a sua saúde mental no seu próprio tempo fora do trabalho. Ao mesmo tempo, implica também que o assunto deve ser tratado pessoalmente e em privado.
Nos últimos anos, contudo, a investigação em torno das interdependências entre a saúde mental e o trabalho em si continuou a tornar-se mais robusta. O esgotamento, em particular, foi definido pela Organização Mundial de Saúde como fundamentalmente enraizado no stress no local de trabalho mal gerido. Da mesma forma, a principal investigadora sobre esgotamento, Christina Maslach, identifica seis causas principais de esgotamento : cargas de trabalho insustentáveis, percepção de falta de controlo, recompensas insuficientes pelo esforço, falta de uma comunidade de apoio, falta de justiça e valores e competências incompatíveis – todos factores do local de trabalho.
A crescente consciencialização sobre a saúde mental entre os trabalhadores também veio acompanhada de uma melhor compreensão de que tipo de apoio é verdadeiramente útil – para além de simplesmente lidar com a situação através do trabalho. Os colaboradores estão vendo a saúde mental como uma responsabilidade coletiva no local de trabalho, e não como uma responsabilidade individual. Cada vez mais, apoiar a saúde mental no trabalho significa realinhar fundamentalmente a cultura de uma organização com o bem-estar humano.
A segurança psicológica diminuiu: nos últimos 3 anos, temos visto uma crescente onde os colaboradores ficaram mais confortáveis em falar sobre saúde mental e desenvolveram crenças mais saudáveis sobre o assunto e sobre aqueles com problemas de saúde mental. Ambos indicam uma redução no estigma da saúde mental. É claro que isso está estritamente ligado aos colaboradores também se sentirem mais apoiados à medida que os empregadores aumentavam os seus investimentos em recursos de saúde mental.
Infelizmente, isso não é surpreendente. Apesar de muitos empregadores investirem na saúde mental, muitos também “voltaram aos negócios” em termos de produtividade, desempenho, custos finais, planos de retorno ao escritório e investimentos em DEI (Diversidade, equidade e inclusão) – tudo isso ao mesmo tempo em que incentivam a flexibilidade e o equilíbrio entre vida pessoal e profissional, apesar as realidades do trabalho tornando-o muito mais difícil de alcançar.
Os investimentos em DEI estão melhorando a saúde mental e o envolvimento: O Relatório de Saúde Mental no Trabalho de 2023, da Mind Share Partners, mostrou que os esforços dos empregadores em investimento em DEI foram recompensados e criaram mudanças significativas nas experiências dos colaboradores. Os entrevistados que sentiram que o seu empregador apoiava a sua identidade apresentaram melhores resultados em relação à saúde mental e ao impacto do trabalho na saúde mental e foram, em geral, mais envolvidos e comprometidos com o seu empregador em comparação com aqueles que não se sentiram apoiados.
Como, de fato, podemos mudar a realidade da saúde mental nos ambientes de trabalho?
Muitas organizações têm buscado priorizar a diversidade, equidade e inclusão (DEI) por meio de políticas e programas, mas para criar ambientes de trabalho verdadeiramente saudáveis, é preciso ir além do superficial. Evidências sólidas apontam que, para além dos esforços iniciais, a melhoria da saúde dos colaboradores, o aumento do engajamento e a redução do estresse no trabalho estão intrinsecamente ligados a ambientes que são psicologicamente seguros e equitativos.
O compromisso com a diversidade deve transcender as categorias tradicionais. Além de abordar gênero e raça, é crucial reconhecer e incluir a diversidade em todos os seus aspectos, começando pelos ambientes de trabalho remotos e presenciais, englobando perspectivas diversas, como implementar políticas flexíveis que levam em consideração as diversas realidades da equipe, promovendo um equilíbrio saudável entre vida profissional e pessoal. Isto não apenas cria uma cultura mais rica, mas também considera a complexidade das identidades individuais.
Uma reformulação completa dos treinamentos corporativos é um bom caminho para começar: focar em habilidades específicas é vital para o sucesso nesse cenário.
E quais habilidades e treinamentos farão sentido no futuro do trabalho?
Gestão da Atenção: As escapadas da mente são uma tendência natural do ser humano que sempre concorreu com a capacidade de sustentar a atenção. No mundo de hoje, porém, o desafio de manter o foco é ainda maior. Precisamos lidar com uma grande quantidade de informações, acontecimentos e demandas, e para isso alternamos a atenção entre vários assuntos e tarefas que acontecem simultaneamente. Lidamos também com as constantes interrupções das mensagens eletrônicas e os atrativos da internet, que facilmente nos distraem. Tudo isso nos habitua a fazer pingue-pongue com a atenção e enfraquece nossa capacidade de nos concentrar quando é necessário.
Desenvolver a habilidade de Gestão da Atenção é crucial em um ambiente de trabalho contemporâneo, onde constantes distrações podem impactar negativamente a produtividade e o foco nas tarefas essenciais. Esse componente dos treinamentos corporativos visa equipar os colaboradores com técnicas eficazes para lidar com as demandas incessantes da era digital.
Um aspecto central desse treinamento envolve a introdução de práticas de mindfulness, como a respiração consciente, que auxilia na redução do estresse e na melhora do foco. Mas, isso deve ser feito de uma forma a que essas práticas, que não são nenhuma pílula mágica, possam ser incorporadas no dia a dia do trabalho de forma real.
Colaboração Autêntica: Desenvolver a habilidade de Colaboração Autêntica é um aspecto fundamental, considerando a crescente importância do trabalho em equipe. Esta habilidade vai além da simples cooperação e busca promover um ambiente onde os colaboradores possam contribuir ativamente para os objetivos comuns, valorizando a diversidade de ideias e abordagens.
Uma estratégia chave nesse tipo de treinamento é a promoção de práticas que incentivem a participação ativa e a valorização da contribuição de todos os membros da equipe. Isso pode envolver a implementação de métodos de brainstorming, onde as diferentes perspectivas são incentivadas e reconhecidas como ativos valiosos para a resolução de problemas e tomada de decisões.
Resolução de Conflitos: Outro ponto crítico é o desenvolvimento da capacidade de gerir conflitos de maneira construtiva. Os treinamentos abordam a compreensão de que o conflito não é necessariamente prejudicial; ao contrário, pode ser uma fonte valiosa de inovação e solução de problemas. Os colaboradores aprendem a reconhecer divergências como oportunidades para aprimoramento e crescimento, ao invés de simples obstáculos. Ao desenvolverem esta habilidade que deve ir além das técnicas já conhecidas, o colaborador se torna um verdadeiro gestor de toxidade no ambiente de trabalho e faz com que o clima organizacional e o ambiente de trabalho se tornem salutares. Esta capacidade de gerir a toxidade por meio do treinamento em resolução de conflitos é essencial para se colher uma melhora notável das condições de saúde mental dentro das empresas.
Autoconhecimento e Cuidado Pessoal: Este tipo de treinamento vai capacitar os colaboradores não apenas a compreender o funcionamento da mente, mas também a adotar práticas que otimizem a saúde mental e promovam um ambiente de trabalho mais equilibrado e saudável.
A compreensão do funcionamento da mente é a base aqui. Os colaboradores são orientados a explorar e reconhecer seus padrões de pensamento, emoções e reações diante de desafios. Isso não apenas aumenta a autoconsciência, mas também permite a identificação precoce de sinais de estresse e outras questões relacionadas à saúde mental.
Empatia e Compaixão: A promoção de Empatia e Compaixão vai estabelecer alicerces sólidos em relacionamentos de suporte da equipe, fomentando a segurança social e psicológica. Esse enfoque vai além das interações superficiais, buscando criar uma cultura organizacional onde a compreensão e o apoio mútuo são fundamentais.
Os colaboradores são orientados a desenvolver a capacidade de se colocar no lugar do outro, não apenas ouvindo, mas verdadeiramente compreendendo as emoções e perspectivas dos colegas. A Comunicação Empática é incentivada, visando uma expressão respeitosa de sentimentos e pensamentos para criar um ambiente onde todos se sintam ouvidos e compreendidos.
Criação de Contexto para Mudança: A implementação bem-sucedida de treinamentos vai além da simples oferta de cursos; é crucial criar um contexto organizacional que não apenas suporte, mas também promova ativamente as mudanças propostas. Este processo implica em ajustar a cultura organizacional, estabelecendo novas regras, responsabilidades e rituais que fundamentem as novas habilidades adquiridas. Essa criação de ambiente propício é vital para garantir a incorporação efetiva dos treinamentos na rotina diária da empresa.
É necessário que a organização esteja comprometida em integrar as novas habilidades ao seu tecido cultural. Isso significa que as mudanças não devem se limitar à sala de aula, mas se estender para o cotidiano profissional, tornando-se uma parte intrínseca da forma como a empresa opera. Ajustar a cultura organizacional envolve estabelecer novas regras que reflitam os princípios aprendidos nos treinamentos. Isso pode incluir políticas específicas que promovam a diversidade, a empatia ou a inovação, dependendo do foco dos treinamentos. Essas regras não devem ser apenas diretrizes vagas, mas sim princípios claros e aplicáveis que orientem o comportamento no dia a dia.
Construindo um mundo corporativo mais saudável e produtivo
Quando citei Robert F. Kennedy no começo deste artigo, queria justamente falar que, mesmo a passos pequenos, a mudança só será possível em um futuro próximo se começarmos agora. Se cada um de nós tentar mudar o que está ao nosso alcance, tenho certeza que chegaremos no tão sonhado objetivo: um mundo corporativo mais saudável e produtivo.
As pessoas querem um trabalho que traga mais realização e satisfação. Querem diversidade, inclusão e equidade. Trabalhar em empresas que tenham a ver com seus valores e que impactem positivamente o mundo. Elas precisam encontrar sentido em suas atividades diárias. Bom, todos precisamos, não é mesmo?
Se a liderança e as empresas não colocarem as pessoas no centro dos negócios, vão perder talentos e, com isso, inovação, criatividade e resultados. E não há inovação sem saúde integral. Assim como não há prosperidade dos negócios sem engajamento do time. Então, não adianta fazer um team building uma vez por ano, programas de bem-estar e discursos vagos. É preciso tratar a raiz do problema e conscientizar a liderança de seu impacto no adoecimento ou florescimento da equipe. Além da conscientização é preciso dar ferramentas para esses líderes e construir uma cultura saudável para priorizar o tema e o manter na agenda de todos.
Vamos juntos construir esse ambiente de trabalho mais saudável para todos nós?
Para saber mais do que fazemos em relação à saúde mental nas organizações, acesse o Programas de Saúde Mental da MIND station | Desenvolvimento Humano