Você já se perguntou por que é tão fácil perder horas nas redes sociais, pulando de vídeo em vídeo, enquanto tarefas importantes ficam de lado? Ou talvez você se pegue constantemente desejando mais estímulos — seja uma nova série, passar o tempo nas redes sociais, pegar mais um doce na geladeira, ou qualquer outra coisa que ofereça gratificação instantânea. Se essas situações soam familiares, você não está sozinho. Na verdade, o que você está experimentando tem tudo a ver com uma parte do funcionamento do cérebro que nós muitas vezes não temos controle.
Antes de explorarmos as estratégias para transformar nossa busca natural por prazer, é importante entender o que realmente está acontecendo em nossa mente. Como podemos converter essa tendência de buscar incessantemente por estímulos rápidos e superficiais em uma força poderosa que nos impulsiona em direção ao crescimento pessoal e às conquistas? O segredo passa por entender como a nossa mente é influenciada pelos neurotransmissores ou neuromoduladores, em especial a Dopamina!
O que é a dopamina e por que ela pode nos prender?
Imagine a dopamina como o motor que impulsiona o seu desejo e busca por recompensas. Ela não está ligada ao prazer, mas na verdade à antecipação do prazer. Quando você imagina comer aquele doce ou receber um like em uma postagem, a dopamina é liberada, preparando seu cérebro para buscar aquela sensação prazerosa. Este processo é uma herança dos tempos em que nossos ancestrais precisavam estar motivados para caçar e encontrar alimento, garantindo a sobrevivência.
Mathias Pessiglione, neurocientista do Hôpital de la Pitié-Salpêtrière em Paris, reafirma este ponto em seu estudo publicado na Nature. Intitulado “Dopamine-dependent prediction errors underpin reward-seeking behavior in humans”, ele demonstra que níveis mais altos de dopamina estão associados a uma maior motivação para alcançar recompensas, reforçando o entendimento de que esse neurotransmissor é o motor que nos impulsiona a buscar satisfação, seja em atividades triviais do cotidiano ou em desafios mais complexos.
No entanto, a diferença entre o passado e o presente é o tipo de recompensa que buscamos e como ela é acessada. Em vez de procurar por comida ou abrigo, nos encontramos constantemente envolvidos com distrações modernas que oferecem uma gratificação rápida e fácil — como redes sociais, jogos e junk food. O problema é que essas recompensas não exigem esforço real, mas ainda assim liberam dopamina, criando um ciclo de busca por prazer imediato sem retorno verdadeiro.
Esse fenômeno foi explorado por Nora D. Volkow, médica e diretora do Instituto Nacional sobre Abuso de Drogas dos Estados Unidos, em uma pesquisa publicada no Journal of Neuroscience. O estudo, intitulado “Addiction: Decreased reward sensitivity and increased expectation sensitivity conspire to overwhelm the brain’s control circuit”, examina como o uso frequente de redes sociais e outras formas de gratificação instantânea pode alterar a sensibilidade do cérebro às recompensas, levando a um ciclo de busca contínua por estímulos, com a liberação de dopamina, mas resultando em menor satisfação a longo prazo.
Por que a busca pelo prazer rápido nos esgota?
Você já se sentiu exausto depois de uma maratona de vídeos curtos ou após horas rolando o feed de uma rede social?
Essa relação entre a liberação de dopamina e o esgotamento mental foi detalhada em uma pesquisa conduzida por John D. Salamone, professor de Psicologia da Universidade de Connecticut, e publicada na revista Brain. No estudo “Activational and effort-related aspects of motivation: neural mechanisms and implications for psychopathology”, os pesquisadores demonstraram que atividades que geram picos rápidos de dopamina, como o uso excessivo de mídias sociais, podem levar ao esgotamento mental e à diminuição da motivação para tarefas que exigem mais esforço cognitivo, explicando por que muitas vezes nos sentimos esgotados após atividades aparentemente leves.
Isso acontece porque, mesmo que essas atividades pareçam inofensivas, elas drenam nossa energia mental. A dopamina liberada por essas pequenas recompensas imediatas não é suficiente para gerar uma satisfação verdadeira e, com o tempo, isso pode levar ao esgotamento. O cérebro se acostuma com picos rápidos de dopamina, fazendo com que atividades que realmente importam — como trabalhar em um projeto que vai te trazer benefícios verdadeiros, mas que demora mais tempo para ser produzido, ou o processo de desenvolver uma habilidade — pareçam maçantes e desmotivantes em comparação.
Então, como podemos usar a dopamina a nosso favor?
A chave está em aprender a regular nossa exposição a esses picos de dopamina e a direcionar nosso foco para atividades que nos trarão recompensas verdadeiras, com peso real para nossa vida. A boa notícia é que existem maneiras práticas – e que funcionam mesmo – de fazer isso. Vou te contar a seguir:
1. Como reconfigurar seu cérebro para recompensas duradouras?
Você já percebeu como é difícil iniciar uma tarefa importante, mas uma vez que começa, tudo flui mais facilmente? Isso acontece porque, no início, a dopamina ainda não foi plenamente acionada. Porém, à medida que você avança na tarefa, seu cérebro começa a associá-la à expectativa de uma recompensa — seja o sentimento de realização ou o reconhecimento do trabalho bem feito — e isso eleva seus níveis de dopamina, ajudando a manter o foco e a motivação.
Como aplicar isso no dia a dia?
Uma técnica simples é dividir grandes tarefas em pequenas. Isso permite que você experimente pequenas doses de dopamina cada vez que termine uma dessas tarefas, mantendo a motivação elevada ao longo do tempo. Por exemplo, se você precisa escrever um relatório grande, divida-o em seções menores e dê a si mesmo uma pequena recompensa ao concluir cada uma delas.
2. Por que você precisa de mais movimento na sua rotina?
Você já notou como se sente mais energizado depois de uma boa caminhada ou uma sessão de exercícios? Isso não é coincidência. O movimento físico é uma das formas mais eficientes de estimular a liberação de dopamina e outros neurotransmissores que elevam nosso humor e disposição. No entanto, em um mundo onde passamos cada vez mais tempo sentados, seja no trabalho ou em casa, negligenciamos essa fonte natural de bem-estar.
Essa relação foi explorada por Romain Meeusen, professor de Fisiologia do Exercício na Universidade Livre de Bruxelas, estudo “Exercise and brain neurotransmission”, que comprova que a prática regular de atividade física não apenas melhora o humor e a disposição, mas também contribui para a manutenção de níveis saudáveis de dopamina, ajudando a combater a sensação de esgotamento mental que muitas vezes é resultado de um estilo de vida sedentário.
Como garantir que você se mova mais?
Integrar pequenas sessões de movimento ao longo do seu dia pode fazer uma grande diferença. Se você trabalha em um escritório, tente levantar-se e dar uma volta a cada hora. Ou talvez você possa começar o dia com uma caminhada matinal ou uma breve sessão de mobilidade e alongamento. O importante é criar uma rotina onde o movimento faça parte do seu dia a dia, em vez de ser uma atividade ocasional.
3. O que sua dieta tem a ver com seus níveis de energia?
A alimentação desempenha um papel super importante na regulação dos níveis de dopamina e, consequentemente, na sua motivação e disposição. Alimentos ricos em tirosina, um aminoácido precursor da dopamina, como bananas, amêndoas e abacates, podem ajudar a manter seus níveis mais elevados. Por outro lado, uma dieta rica em açúcar e alimentos processados pode causar picos rápidos de dopamina seguidos de quedas bruscas, o que pode contribuir para a sensação de esgotamento e falta de energia.
Como melhorar sua alimentação?
Foque em uma dieta balanceada que inclua uma variedade de alimentos ricos em nutrientes. Reduza o consumo de alimentos processados e açúcar, e incorpore mais frutas, legumes, proteínas magras e gorduras saudáveis. Além disso, manter-se bem hidratado também é essencial para o funcionamento ótimo do cérebro e para manter os níveis de dopamina estáveis.
4. Como a gestão da atenção pode salvar sua energia mental?
Embora o tempo seja um recurso finito, é a forma como gerenciamos nossa atenção que realmente determina nossa capacidade de realizar tarefas importantes. Em um mundo repleto de distrações digitais e informações constantes, a forma como direcionamos nossa atenção tem um impacto direto nos nossos níveis de dopamina e na nossa produtividade. Quando nos deixamos levar por atividades que oferecem recompensas rápidas e superficiais, como checar redes sociais ou navegar na internet sem um propósito claro, acabamos esgotando nossa capacidade de concentração e, consequentemente, nossa energia mental.
O neurocientista Adam Gazzaley e o psicólogo Larry D. Rosen, apresentam esta ideia no livro “The Distracted Mind: Ancient Brains in a High-Tech World”. Eles explicam que o nosso cérebro, apesar de ser adaptável, não está totalmente equipado para lidar com a constante sobrecarga de informações e interrupções que caracterizam o mundo moderno. Essa sobrecarga nos faz dispersar nossa atenção, tornando mais difícil focar em tarefas que exigem um pensamento profundo e concentrado. Além disso, cada vez que mudamos de foco — por exemplo, ao alternar entre uma tarefa importante e uma verificação rápida das redes sociais — nosso cérebro gasta energia, o que pode levar ao esgotamento mental e à redução da produtividade.
Como gerenciar melhor sua atenção?
Uma boa estratégia é adotar práticas de mindfulness e técnicas de gerenciamento de foco, como o método Pomodoro. Nessa técnica, você se mantém o foco apenas em uma tarefa específica por 25 minutos, seguido de uma pausa curta. Esse ciclo ajuda a manter a atenção focada e evita a exaustão mental. Você também pode dedicar momentos específicos durante o dia para tarefas que exigem alta concentração, reservando tempo para verificar e-mails ou redes sociais, em vez de permitir que essas distrações interrompam continuamente seu fluxo de trabalho. Você também pode usar as redes sociais como uma “recompensa” após os períodos de tempo de trabalho focado. Neste caso você acaba usando aquilo que poderia ser maléfico como um elemento para te ajudar a fechar o ciclo de um hábito positivo.
É também super importante criar um ambiente de trabalho que te ajude a manter o foco. Isso pode ser tão simples quanto ajustar as notificações do seu celular para só receber o que é realmente necessário. Além de organizar seu espaço de forma que os objetos estejam ordenados, que haja algum espaço na sua mesa e o volume de distrações externas possa ser diminuído.
5. Você está dormindo o suficiente?
O sono é essencial para a recuperação e regeneração do cérebro, incluindo a restauração dos níveis de dopamina. A privação de sono, ou um sono de má qualidade, podem reduzir, e muito, seus níveis de dopamina, afetando seu humor, motivação e capacidade de focar.
Um estudo realizado por John D. Fernstrom, professor de Psiquiatria e Farmacologia da Universidade de Pittsburgh, e sua colega Margaret H. Fernstrom, nutricionista clínica, publicado no Journal of Nutrition, intitulado “Tyrosine, precursor to catecholamines and melanin: effects on behavior”, explica que a dopamina, assim como muitos outros neurotransmissores, depende de processos bioquímicos que ocorrem durante o sono para ser sintetizada e regulada adequadamente. O corpo utiliza a tirosina, um aminoácido encontrado em muitos alimentos, como precursor na produção de dopamina. Porém, essa síntese é otimizada e regulada durante os ciclos de sono profundo.
Quando você priva seu corpo de sono ou tem um sono fragmentado, a síntese de dopamina é comprometida. Isso não apenas reduz os níveis disponíveis de dopamina ao acordar, mas também afeta a eficiência com que o cérebro utiliza esse neurotransmissor ao longo do dia. O resultado? Você pode acordar se sentindo cansado, desmotivado, e com dificuldades para manter o foco, mesmo que tenha dormido por várias horas.
Como melhorar a qualidade do seu sono?
Estabeleça uma rotina de sono consistente, indo para a cama e acordando no mesmo horário todos os dias. Evite o uso de dispositivos eletrônicos pelo menos uma hora antes de dormir, pois a luz azul pode interferir na produção de melatonina, o hormônio do sono. Este é um assunto tão importante para a saúde mental e física que vai merecer um artigo focado apenas nisso.
Transformando a dopamina: de inimigo a aliado
Entender como a dopamina influencia seu comportamento e aprendizado é o primeiro passo para tomar controle sobre sua vida. Ao aplicar estratégias práticas — reconfigurar seu cérebro para recompensas verdadeiras, incorporar mais movimento, ajustar sua dieta, gerenciar sua atenção e melhorar o seu sono — você pode transformar a dopamina de um impulsionador de prazeres momentâneos em uma força poderosa para alcançar seus objetivos de longo prazo.
A jornada para entender a dopamina e encontrar o equilíbrio ideal entre prazer imediato e realização real pode ser difícil, mas os resultados são extremamente recompensadores. Com pequenas, mas consistentes ações, você começa a perceber uma mudança profunda na forma como se sente e na sua capacidade de alcançar o que realmente importa.
Lembre-se, a verdadeira transformação não acontece de uma hora para outra, mas ao longo do tempo, à medida que você integra essas práticas em sua vida diária.