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O poder do tédio: desbloqueie sua criatividade e genialidade com a solidão

Imagine o seguinte: o ano é 1665, e um jovem Isaac Newton está olhando pela janela da casa de sua família em Lincolnshire, na Inglaterra. Enquanto observa a macieira no pomar, algo aparentemente banal acontece — uma maçã cai no chão. Este simples evento, que poderia facilmente passar despercebido, torna-se o catalisador para uma das descobertas mais revolucionárias da história humana. As observações de Newton sobre a maçã caindo acabaram levando-o a formular as leis do movimento, revolucionando a física moderna. O mais interessante é que Newton não estava realizando um experimento, nem estava sobrecarregado de informações. Ele simplesmente estava permitindo que sua mente vagasse.

Avançando para os dias de hoje, com que frequência nos permitimos simplesmente sentar e pensar, deixando nossas mentes vagarem sem rumo? Em um mundo inundado de tecnologia e estímulos constantes, o tédio se tornou quase um tabu, algo a ser evitado a todo custo. Mas e se eu te dissesse que o tédio — aquela coisa que tentamos evitar a qualquer preço — guarda a chave para desbloquear nossa criatividade, habilidades de resolução de problemas e até mesmo nossa própria genialidade?

Vamos explorar como abraçar o tédio e a solidão pode transformar nossas vidas e por que isso é mais importante agora do que nunca.

Por que tememos o tédio?

Você já percebeu como rapidamente pegamos nossos telefones no momento em que sentimos um leve tédio? É quase um reflexo. Seja esperando na fila do supermercado ou sentado em um consultório médico, imediatamente buscamos algum tipo de distração. Mas por quê? A resposta está no nosso desconforto em ficar sozinhos com nossos pensamentos.

Durante o estudo “Just Think: The Challenges of the Disengaged Mind”, publicado na revista Science, o psicólogo social Timothy Wilson e sua equipe pediram aos participantes que passassem de 6 a 15 minutos sozinhos em uma sala, sem nada para fazer além de pensar. Parece algo fácil e simples, não é? Mas os resultados surpreenderam: cerca de metade dos participantes relatou que não gostou da experiência. Na verdade, quando lhes foi dada a opção de autoadministrar um leve choque elétrico, um número alto de participantes preferiu se aplicar choques a ficar em silêncio.

Wilson sugere que essa aversão a ficar sozinho com os próprios pensamentos pode estar relacionada ao modo como nossas mentes são programadas para interagir com o mundo exterior. Sem estímulos externos, muitas pessoas parecem ter dificuldade em se concentrar ou achar a experiência agradável. A ideia de sentar quietamente, sem nada além de nossas mentes para nos fazer companhia, é tão perturbadora que faremos quase qualquer coisa para evitá-la. Mas, em nossa pressa para escapar do tédio, podemos estar perdendo uma das oportunidades mais valiosas de crescimento pessoal e criatividade.

O papel do tédio na criatividade

Mas então, o que acontece quando nos permitimos ficar entediados? Ao contrário do que muitos de nós possam acreditar, o tédio não é apenas um vazio a ser preenchido — é um terreno fértil para a criatividade. Pense na última vez que você teve um “momento Eureka”. É provável que isso não tenha acontecido enquanto você estava “na correria”, trabalhando ou rolando pelo feed das redes sociais. Provavelmente ocorreu enquanto você estava fazendo algo mundano, como tomar banho, dirigir ou simplesmente divagando. Esses momentos de descanso mental permitem que nossos cérebros vagueiem e processem informações de uma maneira que não conseguimos quando estamos constantemente distraídos.

Quando estamos entediados, nossas mentes entram no que os psicólogos chamam de “rede em modo padrão”, que é um estado mental onde começamos a fazer conexões entre ideias que, à primeira vista, parecem não ter relação. Esse processo nos ajuda a resolver problemas e até a criar novos objetivos.

Durante esses momentos de tédio, nossa mente também revisita e reorganiza as informações recentes que recebemos, ajudando-nos a entender melhor o mundo ao nosso redor. Pense em quando você volta para casa depois de uma conferência cheia de palestras. No momento, tudo parece um turbilhão de informações. Mas, quando você se encontra em um momento de tédio, seu cérebro começa a processar tudo o que ouviu, quase como um quebra-cabeça que se encaixa sozinho. De repente, aquela técnica de que falaram na palestra A faz todo sentido para resolver um problema que você discutiu na reunião B.

Esses momentos de reflexão podem ser a chave para aplicar novos aprendizados de forma que realmente façam sentido para nós. Isso é essencial para a saúde mental, especialmente em ambientes de trabalho, onde a capacidade de inovar e refletir é valiosa.

Conhecida por seu trabalho na área do tédio e seu impacto na criatividade, a Dra. Sandi Mann, psicóloga e professora da Universidade de Central Lancashire, argumenta em seu estudo “Does Being Bored Make Us More Creative?”, publicado no Creativity Research Journal, que, quando estamos entediados, nossas mentes naturalmente começam a divagar, permitindo-nos explorar nossos pensamentos subconscientes e fazer novas conexões. Este é o mesmo processo que levou Newton à sua descoberta da gravidade e que continua a alimentar a criatividade de artistas, escritores e inovadores até hoje.

O lado negativo da estimulação constante

Theodore Lipps, um psicólogo alemão, propôs uma das primeiras definições de tédio em 1903. Ele descreveu o tédio como uma sensação de desprazer decorrente do conflito entre a necessidade de intensa atividade mental e a falta de excitação. Em outras palavras, o tédio ocorre quando nossas mentes desejam estímulo, mas nada ao nosso redor é forte o suficiente para prender nossa atenção. Em vez de permitir que esse sentimento passe naturalmente, muitas vezes tentamos anestesiá-lo com distrações intermináveis. Mas, ao fazer isso, impedimos nossos cérebros de explorar todo o seu potencial.

E por que é tão difícil abraçar o tédio no mundo de hoje? Uma das principais razões é a disponibilidade constante de entretenimento e estímulo. Com o mundo literalmente ao nosso alcance, nos acostumamos à gratificação instantânea. Treinamos nossos cérebros para desejar as doses de dopamina que vêm ao rolar pelas redes sociais, assistir a vídeos ou jogar. Mas essa estimulação constante tem um preço.

Este é um assunto tão importante que já escrevi um artigo sobre o tema que você pode ver aqui: Leia Aqui.

E também fiz um vídeo com teor inspiracional sobre o mesmo tema:

O estudo “Functional Connectivity within and between Intrinsic Brain Networks Correlates with Trait Mind Wandering”, do Instituto de Tecnologia da Geórgia, descobriu que pessoas que frequentemente sonham acordadas ou permitem que suas mentes divaguem tendem a obter pontuações mais altas em medidas de criatividade e capacidade de resolução de problemas. Usando técnicas de neuroimagem para observar as conexões entre diferentes redes cerebrais, como a Default Mode Network (DMN) e a rede de controle frontoparietal, os pesquisadores descobriram que as pessoas com maior propensão a “sonhar acordado” apresentavam uma conectividade mais forte nessas redes.

No entanto, os pesquisadores também destacam que, em um mundo cheio de estímulos externos, muitos de nós raramente têm a oportunidade de permitir que nossas mentes divaguem, o que pode reduzir nossas oportunidades de pensamento criativo profundo. Em vez disso, ficamos presos em um ciclo de buscar mais e mais estímulos, apenas para nos encontrarmos cada vez mais entediados e insatisfeitos.

Os benefícios criativos da solidão

E se aprendêssemos a abraçar o tédio em vez de fugir dele? Ao longo da história, algumas das maiores mentes reconheceram o valor da solidão e do tédio. Albert Einstein, por exemplo, conhecido por sua imaginação vívida e teorias revolucionárias, frequentemente fazia longas caminhadas para clarear a mente e permitir que seus pensamentos vagassem. Foi durante esses momentos de solidão que ele desenvolveu algumas de suas ideias mais inovadoras.

Na verdade, muitas das maiores descobertas e obras de arte da história nasceram de períodos de tédio e isolamento. Quando J.K. Rowling concebeu a ideia para a série Harry Potter, ela estava em uma viagem de trem de quatro horas sem nada para fazer além de pensar. Da mesma forma, o tempo que Isaac Newton passou em quarentena durante a peste de 1665 lhe deu o espaço mental necessário para desenvolver o cálculo e suas leis do movimento.

A solidão nos oferece a oportunidade de nos envolvermos em pensamentos profundos e autorreflexão. Ela nos permite nos afastar do barulho da vida cotidiana e considerar o quadro geral. Quando estamos sozinhos com nossos pensamentos, somos mais propensos a explorar novas ideias, definir metas para o futuro e encontrar soluções criativas para os problemas.

Como recuperar o tédio em um mundo agitado

Então, como podemos recuperar os benefícios do tédio em um mundo que está constantemente lutando por nossa atenção? O primeiro passo é nos tornarmos mais intencionais sobre como gastamos nosso tempo. Em vez de pegar o telefone no momento em que sentir tédio, tente permitir-se sentar com esse sentimento. Deixe sua mente vagar e veja onde ela te leva.

Aqui estão algumas dicas práticas para ajudar você a abraçar o tédio e desbloquear sua criatividade:

1. Agende tempo “desconectado”:

Reserve um tempo todos os dias ou semanas para se desconectar de todos os dispositivos. Use esse tempo para fazer algo que não exija muito esforço mental, como caminhar, fazer um quebra-cabeça ou simplesmente sentar em silêncio.

2. Pratique a atenção plena:

A meditação mindfulness é uma poderosa aliada para quem busca se sentir mais confortável com o silêncio e verdadeiramente presente no momento. Além disso, essa prática tem o potencial de aliviar a ansiedade, frequentemente associada ao tédio. Michael Carroll, autor dos livros “The Mindful Leader” e “Awake at Work”, nos guia por uma interessante jornada através de dois tipos de tédio que encontramos durante a prática do mindfulness. O primeiro, que ele chama de “tédio quente”, é marcado por uma inquietação mental e uma energia intensa, que nos incita a fugir desse desconforto. Ao superar esse estágio, chegamos ao “tédio frio”, uma fase mais tranquila e introspectiva, onde aceitamos a falta de estímulos. É nesse estado que podemos descobrir um novo nível de percepção, despertar nossa criatividade e aprofundar nossa presença. Por isso, a prática regular do mindfulness se torna uma ferramenta essencial para quem deseja explorar e desenvolver as vastas capacidades inatas da mente.

3. Envolva-se com tarefas monótonas:

Fazer tarefas como dobrar roupa, lavar louça ou organizar seu espaço pode ser uma ótima maneira de deixar sua mente entrar na rede em modo padrão. Essas tarefas exigem pouco esforço mental, permitindo que seu cérebro vagueie e gere novas ideias.

4. Faça pausas regulares:

Se você está trabalhando em uma tarefa complexa, faça pequenas pausas para se afastar e deixar sua mente descansar. Você pode se surpreender com a frequência com que soluções para problemas surgem quando você não está pensando ativamente sobre eles. Além disso, fazer pausas ao longo do dia faz com que você consiga recuperar um pouco da energia mental utilizada em tarefas que exigem pensamento consciente. Em programas de saúde mental que implementei em empresas, muitos participantes adotaram as ferramentas que ensinei para estruturar essas pausas ao longo do dia e saber o que fazer durante elas. Os relatos são sempre muito parecidos: “Termino o dia com muito mais energia que antes”, “Consigo tomar decisões muito melhores porque parece que minha mente não está cansada”, “As pausas me permitem parar para refletir e isso mudou a forma como lido com os meus liderados”. Só para você ter uma pequena noção dos inúmeros benefícios que este simples ato pode te trazer no dia a dia.

5. Permita-se sonhar acordado:

Não tenha medo de deixar sua mente divagar durante momentos de inatividade. Seja em uma longa viagem ou enquanto espera por um compromisso, use esse tempo para deixar seus pensamentos fluírem livremente.

6. Limite o tempo de tela:

Fique atento a quanto tempo você gasta no telefone ou em outros dispositivos. Considere estabelecer limites para seu tempo de tela ou usar aplicativos que rastreiem e reduzam seu uso.

7. Incentive o tédio nas crianças:

Em vez de fornecer entretenimento constante para seus filhos, incentive-os a encontrar suas próprias maneiras de passar o tempo. Isso pode ajudá-los a desenvolver criatividade e habilidades de resolução de problemas que os beneficiarão ao longo da vida.

Os benefícios do tédio a longo prazo

O que podemos esperar se fizermos do tédio uma parte regular de nossas vidas? Embora possa parecer contraintuitivo, permitir-nos ficar entediados pode trazer benefícios significativos a longo prazo. Ao dar aos nossos cérebros a oportunidade de descansar e se recuperar, podemos melhorar nossa saúde mental, aumentar nossa criatividade e enriquecer nosso bem-estar geral.

Quando não estamos constantemente bombardeando nossos cérebros com estímulos, estamos mais sintonizados com nossos pensamentos e emoções interiores, o que pode levar a um maior autoconhecimento e crescimento pessoal. Além disso, abraçar o tédio pode ajudá-lo a desenvolver uma relação mais saudável com a tecnologia. Ao reduzir a sua dependência de estímulos externos, você pode recuperar o controle sobre a sua atenção e focar no que realmente importa. Em vez de ficar à mercê de algoritmos projetados para mantê-lo preso, você pode escolher se envolver com o mundo nos seus próprios termos.

E pode até parecer estranho sugerir que não fazer nada poderia nos levar a um maior sucesso, mas há um crescente corpo de evidências que apoia essa ideia. Em uma sociedade que muitas vezes equaciona ocupação com produtividade, é fácil cair na armadilha de pensar que precisamos estar constantemente ativos para alcançar nossos objetivos. Mas a verdade é que, às vezes, a coisa mais produtiva que podemos fazer é dar um passo para trás e permitir que nossas mentes descansem.

Quando nos damos tempo e espaço para pensar profundamente, somos mais propensos a alcançar melhores resultados, a desenvolver ideias inovadoras e a encontrar soluções criativas para problemas. Permitir que nossas mentes descansem e divaguem pode ser a chave para liberar nosso verdadeiro potencial.

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