Manipulação de massa: como acontece e por que devemos nos tornar imunes

Se eu te dissesse que os seres humanos são recipientes para fantasmas de alienígenas você acreditaria? Ou que uma pessoa tão comum quanto eu e você é o novo messias com direito a centenas de “parceiros(as) amorosas espirituais”? Ou que o apocalipse está prestes a acontecer e você tem que doar todos os seus bens para uma determinada instituição? Você deve estar pensando que acreditar nesse tipo de ideia é coisa de “maluco” ou pessoas com pouco estudo, já que pode parecer pura loucura, não é? Mas acredite: todas essas hipóteses já foram exploradas por seitas, cultos, golpes e outras organizações ideológicas extremas para recrutar e controlar seguidores, usando práticas de manipulação mental.

Você provavelmente já deve ter ouvido falar de alguém que entrou para uma seita ou culto e, de uma hora para a outra, virou outra pessoa. Quando isso acontece, é como se o indivíduo não pensasse, nem agisse ou sentisse como antes. Dizemos, então, que a pessoa passou por uma lavagem cerebral, mas será que isso realmente existe? A lavagem cerebral, ou melhor, a manipulação mental existe e, além disso, tem protocolos muito bem definidos.

A manipulação é uma ferramenta poderosa e pode ser usada para fazer com que as pessoas façam coisas que normalmente não fariam, ou para fazê-las acreditar, pensar e sentir coisas que de outra forma não pensariam ou sentiriam. Podemos definir esse tipo de manipulação como qualquer ação intencional que influencia a pessoa à crença ou comportamento, causando mudanças nos processos mentais que vão além do despertar da compreensão. Para a cientista Ruth Faden, fundadora do Johns Hopkins Berman Institute of Bioethics, e para o filósofo Tom Beauchamp, professor na Universidade de Georgetown, a manipulação mental como uma forma de influência é contrária à persuasão: a persuasão melhora a compreensão de alguém sobre sua situação, a manipulação não. Faden e Beauchamp consideram a manipulação mental como “um título amplo”, incluindo “estratégias” tão diversas como a sugestão subliminar, a bajulação e outros apelos às fraquezas emocionais, como a indução de sentimentos de culpa ou de obrigação.

Manipulação em massa

Jim Jones

Difícil de visualizar uma situação real? Talvez você já tenha ouvido falar ou se lembre de um dos casos mais curiosos e inacreditáveis que envolveu manipulação de massa e culminou no maior suicídio coletivo da história, o caso Jonestown. Em 18 de novembro de 1978, 918 pessoas morreram em um misto de suicídio coletivo e assassinatos em Jonestown, uma comuna fundada por Jim Jones, pastor e fundador do Templo Popular, uma seita pentecostal cristã de orientação socialista. Embora algumas pessoas tenham sido mortas a tiros e facadas, a grande maioria pereceu ao beber, sob as ordens do pastor, veneno misturado a um ponche de frutas.

Jim Jones era um manipulador nato. Para ele, guiar multidões e fazer discursos convincentes eram atividades fáceis e, quando se tornou líder da seita, teve pouquíssimos problemas relacionados à confiança de seus seguidores. Fascinado pela morte, Jim lia muito sobre personalidades como Adolf Hitler e Josef Stalin, que ajudaram a moldar seu personagem de líder carismático. Por meio dessa literatura e seus modelos de ditaduras, inclusive, ele descobriu novas formas de guiar seus fiéis, como diferentes métodos para convencer e manipular novos membros de sua seita.

Um líder carismático como Jim é a peça central para a manipulação em grupo. Da mesma forma que são auxiliares da liderança positiva, a emoção e o carisma podem ser usados para alavancar projetos pessoais ou grupais de poder, mas nem sempre benéficos à coletividade. Esses tipos de projeto geralmente se nutrem da perversa combinação com a obsessão por poder e popularidade.

Tendo disseminado a ideia de uma América unida e íntegra, ele pregava uma doutrina que chamava de “Socialismo Apostólico”, com a ideia utópica baseada na não violência, com a igualdade social total, onde não havia ricos e pobres, tampouco divisão racial. Por muito tempo a fala evangélica, a música, a “cura” pela fé e outros tipos de show serviram para atrair e controlar os membros da classe trabalhadora, principalmente os idosos, que tinham Seguro Social e cheques de apoio do governo que eram necessários para manter a causa.

Aos seus seguidores, todos membros do chamado Templo do Povo, Jim Jones dizia ser a reencarnação de Jesus, Buda e Lenin. Com uma base de fiéis bastante sólida, então, ele fundou Jonestown, uma comunidade na Guiana, no meio da floresta Amazônica. Entretanto, aos poucos, o discurso de Jones perdeu o viés religioso para se transformar em uma “retórica socialista”. Em 1965, ele disse à congregação que uma guerra nuclear ocorreria em 15 de julho de 1967 — a típica manipulação em uma seita apocalíptica. Assim, foi a partir disso que a igreja se tornou um grupo de defesa do “bem-estar social” e uma organização política.

Anos depois, os poucos sobreviventes do massacre, 35 pessoas ao total, declararam que a colônia vivia sob um “domínio tirânico” do messiânico Jones, que no fim passou a transmitir sermões agressivos em alto-falantes por horas a fio, repassando teorias da conspiração sobre o governo dos EUA.

Isolamento, controle, incerteza, repetição de mensagens e manipulação emocional. As técnicas usadas por Jones foram as mesmas técnicas para lavagem cerebral apontadas pelo cientista Eduardo Punset, que soube traduzir os conceitos científicos mais complexos para a linguagem comum para torná-los acessíveis a uma grande parte da população.

O papel da coerção

De forma natural, o ser humano oferece resistência diante da possibilidade de perda da sua autonomia e da identidade que construiu até então. Por isso, a manipulação só é possível se houver uso da coerção psicológica. É preciso a existência de uma pressão extrema para induzir mudanças no comportamento.

A forma de ultrapassar esta resistência é criando emoções muito fortes, ao mesmo tempo em que se estimula o nível de estresse: é preciso que uma pessoa esteja altamente emocionada e muito estressada para que ela se torne permeável à pressão de quem pretende exercer alguma manipulação. Lamentavelmente, os poderes se tornaram tão sofisticados que hoje em dia é possível exercer uma pressão com capacidade de moldar a mente de uma forma quase imperceptível. Muitas pessoas se submetem voluntariamente a esses poderes, sem oferecer qualquer resistência.

O processo é tão eficaz que as pessoas nem sequer se dão conta de que estão sendo submetidas a algo do gênero. Pelo contrário, acreditam fazer parte de uma luta por seu livre arbítrio. Um dos exemplos mais recentes envolve a polarização da política Brasileira. Desde o resultado das últimas eleições, no dia 30 de outubro de 2022, o país assiste a manifestações públicas de eleitores, que vão desde o inconformismo com o resultado, até manifestações que beiram a histeria e o delírio, que terminou levando um mar de pessoas a invadir e depredar às sedes dos três poderes em Brasília, em janeiro de 2023. O episódio talvez tenha te feito  questionar: o que leva milhares de pessoas comuns, muitas delas com idade elevada, deixarem seus afazeres, suas famílias, para cometerem crimes e contravenções penais, se expondo às intempéries e a violência, colocando suas próprias vidas em risco? A resposta é somente uma: manipulação de massa. Quero deixar claro aqui que este artigo não se trata de crítica política à direita ou esquerda, é apenas um relato de um fato que ocorreu a pouco para demonstrar o problema da manipulação de massa, haja visto que esta não escolhe lados, pois também já presenciamos episódios de quebradeiras e badernas de grupos que têm opiniões diferentes daqueles que estiveram nos atos destrutivos de janeiro deste ano. A manipulação em massa não escolhe lados.

Quais são as 4 técnicas psicológicas mais usadas na manipulação de massa?

A maioria das pessoas é suscetível de ser recrutada para um culto ou uma causa sob as condições certas. E quais são elas?

1 Escolher o alvo certo

Uma pesquisa publicada na revista científica Psychological Reports, mostrou que os indivíduos mais suscetíveis são os mais estressados, os emocionalmente vulneráveis, os com pouca ou nenhuma conexão familiar e/ou os que vivem em condições socioeconômicas adversas.

Por exemplo, calouros de universidades são bons alvos, uma vez que normalmente ainda estão formando sua identidade e separaram-se recentemente de sua família. Pessoas negligenciadas ou abusadas na infância também costumam ser facilmente recrutadas, porque desejam uma validação que lhes foi negada quando crianças.

Uma coisa que recrutadores não procuram é doença mental. Os cultos não querem membros imprevisíveis; pelo contrário, preferem pessoas estáveis que podem ajudá-los em suas causas e doar dinheiro. Logo, os alvos mais comuns são pessoas saudáveis e racionais passando por períodos de vida estressantes. Esses períodos, inclusive, podem ser grandes eventos globais que afetam toda a população, como pandemias, catástrofes naturais ou grandes crises financeiras.

2 Bombardear o alvo com afeição e compreensão

Uma vez que os manipuladores identificam indivíduos vulneráveis e estressados, literalmente bombardeiam essas pessoas com afeição, bajulação e validação. De acordo com o educador e conscientizador sobre seitas Ronald N. Loomis, recrutadores costumam abordar estudantes em campi universitários, “Usando tudo que podem para fazer o estudante se sentir especial e único”.

Um culto em específico chegou a treinar seus recrutadores para esperarem por indivíduos do lado de fora de reuniões de aconselhamento, a fim de emboscar estudantes com problemas e oferecer a eles o conforto que deveriam obter com ajuda psicológica profissional.

3 Isolar o alvo

Uma vez que os recrutadores conseguiram atrair um alvo com a promessa de compreensão da vida e do universo, o próximo passo é isolá-lo.

Em muitos casos, esse isolamento vem na forma de um “retiro” de alguns dias, período no qual a pessoa fica totalmente imersa na ideologia da seita. Durante esses retiros, os indivíduos ficam fisicamente separados de amigos e familiares – que poderiam fornecer contrapontos importantes, ou seja, puxá-los de volta para a realidade – e muitas vezes sem acesso a qualquer informação externa, incluindo jornais, livros, TV e internet. Isso garante que a única “verdade” que a pessoa experimenta seja a apresentada pelo culto

Observando a realidade mais comum, podemos destacar o que grupos radicais de ideologias ou políticas fazem usando encontros e grupos secretos em aplicativos de mensagens e comunidades das redes sociais, com distribuição e disseminação de fake news em grande escala, criando uma realidade paralela.

Podemos também fazer um paralelo com um novo tipo de isolamento que surgiu nos últimos anos: o isolamento causado pelo excesso de informações que é regulado pelos algoritmos das redes sociais. Por ser praticamente impossível para uma pessoa ler, ver e ouvir tudo que há sobre um determinado tema, ela fica exposta à curadoria feira pelas redes sociais, que foram criadas para nos manter presos em seus aplicativos o máximo de tempo possível. Sendo assim, elas utilizam todas as ferramentas existentes para mostrar apenas assuntos com opiniões com as quais você concorda. Isso porque seu cérebro não quer gastar energia analisando argumentos de uma pessoa desconhecida, ele prefere reforçar aquilo em que já acredita e que vem de fontes com as quais você já criou algum vínculo, mesmo que online. Então hoje, experimentamos o isolamento pelo excesso de informação, diferentemente do passado, quando o isolamento acontecia pelo cerceamento da mesma.

4 Controlar o alvo

Depois de convencer o alvo, bombardeá-lo com atenção e isolá-lo, os cultos precisam manter seu controle sobre eles. Isso pode ser feito por meio de de várias técnicas, que normalmente envolvem manter o indivíduo em um balanceamento entre terror e amor, submetendo-o repetidamente a esses dois sentimentos.

“Quando estamos com medo, não simplesmente fugimos do medo, mas corremos para um porto seguro, para alguém em que confiamos – e esse alguém geralmente é uma pessoa a quem nos sentimos apegados. Mas quando o suposto porto seguro é também a fonte do medo, então correr para essa pessoa é uma estratégia falha, fazendo com que a pessoa assustada congele, presa entre a aproximação e a evitação”, explicou em entrevista a psicóloga social Alexandra Stein, psicóloga e escritora especializada em psicologia social do extremismo ideológico e outras relações sociais perigosas.

Essa relação desequilibrada aumenta a dependência dos indivíduos do líder do culto, garantindo seu controle. Esse estado exaustivo e congelado de “terror e evitamento” sobrecarrega os membros da seita ou grupo e sua capacidade de pensar criticamente sobre a ideologia com a qual se comprometeram.

É também nesse momento, que outra tática muito usada entra em ação para criar o terror e a necessidade de “ajuda” do líder: a identificação de um inimigo em comum. A este inimigo é imputada a culpa por todos os problemas da sociedade, pois, ao existir um culpado específico pelo caos, torna-se mais plausível manter a união entre a população em defesa de um propósito final.

Em geral, tais inimigos são aqueles que não compartilham dos mesmos interesses do regime ou algum grupo mais vulnerável escolhido como culpado pelos problemas nacionais.

Por exemplo, para os nazistas, os inimigos eram os judeus, comunistas, homossexuais e ciganos; no fascismo, os inimigos eram os estrangeiros, os antinacionalistas e os críticos do Estado; no stalinismo, os culpados eram os burgueses.

Como o funcionamento normal da mente pode facilitar que a manipulação em massa ocorra?

E se você ainda não estiver convencido que a manipulação de culto acontece de forma simples no dia a dia, saiba que estas mesmas técnicas são usadas para causas mais corriqueiras, como religião e política. Por exemplo, se você quer que alguém vote em seu candidato, você manipula suas emoções dizendo-lhes que seu voto é a única coisa que está entre eles e o fim do mundo. Isto é manipulação emocional. Ela faz com que as pessoas se sintam ansiosas sobre seu futuro e, portanto, mais propensas a votar em seu candidato.

Os manipuladores procuram alavancar vieses inconscientes para moldar as atitudes, crenças e comportamentos das pessoas de forma que se alinhem com seus objetivos. Ao apelar para os vieses inconscientes das pessoas, os manipuladores podem persuadir e influenciar com mais eficácia seu público.

Esses vieses inconscientes são atalhos mentais que nos permitem fazer julgamentos rápidos sobre pessoas e situações com base em nossas experiências passadas e condicionamento cultural. Eles não são necessariamente intencionais ou conscientes, mas podem influenciar nossas percepções, pensamentos e comportamentos de maneiras sutis. Esses vieses podem se manifestar de várias maneiras, como como percebemos e tratamos os outros, como interpretamos e lembramos de informações e até mesmo como processamos e tomamos decisões.

Em outras palavras, vieses inconscientes são generalizações estereotipadas de gerações, etnias, raças, classes sociais, orientações sexuais, gêneros e outras questões comportamentais que não definem o que as pessoas são, de fato. Eles existem porque o ser humano faz julgamentos automaticamente devido a associações que derivam de memórias armazenadas no mais íntimo de sua mente.

Para que você possa visualizar isso melhor, pense no preconceito de gênero, ou seja, o favorecimento de um gênero em detrimento de outro. Esse preconceito ocorre quando alguém associa inconscientemente certos estereótipos a gêneros específicos.  Em 2022, o salário médio dos homens era 18% mais alto que o das mulheres e aparentemente muito tem a ver com isso que foi dito anteriormente.

Esses vieses inconscientes são formas de pensamento que estão enraizadas na essência e na formação intelectual do ser humano, isto é, não podem ser simplesmente eliminados de um dia para o outro. Trata-se de um processo de construção contínua, onde é fundamental que sejam identificados para que os comportamentos relacionados a julgamentos rasos não sejam cometidos. Do lado científico e biológico, os vieses inconscientes nos ajudam a gastar menos energia para sobrevivermos e podem ser aprendidos pela experiência, na escola, modelando comportamentos de familiares, no grupo religioso participamos ou mesmo pela exposição à cultura de um país. E da mesma forma que foram criados por este processo, eles podem ser desfeitos. Há maneiras muito eficientes de fazer isso acontecer, é particularmente um tema de muito interesse para muita gente no mercado de trabalho e sem dúvida vai valer um artigo mais aprofundado a respeito.

Como sair dessa influência?

É importante lembrar que a manipulação mental está presente diariamente em nossas vidas de inúmeras formas. Todos os dias somos expostos a conteúdo de precisão questionável pelas redes sociais, incluindo teorias da conspiração, clickbaits, conteúdo hiperpartidário, pseudociência e até mesmo relatórios fabricados de “notícias falsas”.

A maioria das pessoas ignora o poder de influência das redes sociais, por exemplo. Enquanto isso, as empresas de tecnologia exploram a vulnerabilidade do psicológico humano. O Facebook descobriu que consegue até mesmo afetar o comportamento do mundo real e as emoções das pessoas sem nunca ativar a consciência delas pela plataforma, detalhe que é explorado no filme que conta a saga do império de Mark Zuckerberg, “A Rede Social”.

Para prender a atenção dos usuários, as redes procuram exibir sempre informações que reforçam as opiniões deles. Isso pode fazer com que as pessoas tenham visões obtusas, em que somente enxergam aquilo que querem ver. Assim, a sociedade fica cada vez mais polarizada e dividida, o que traz desastrosas consequências para a sociedade. Crescem as manifestações de rua e a manipulação de opiniões por meio das fake news lançadas nas redes sociais e principalmente a desavença de pessoas que outrora estariam construindo algo juntas.

Entretanto, toda relação humana é uma relação de poder. Todos os dias e a todo momento pessoas tentarão impor às outras a sua vontade. E nessa balança, também se estabelecem relações equilibradas, só não podemos nos esquecer de até que ponto uma relação é saudável. No universo empresarial e comercial, por exemplo, empresas precisam influenciar pessoas para que se tornem clientes, convencendo-as de que seu produto ou serviço é algo que lhes será útil e que trará algum tipo de benefício. Nada de errado há com a influência, exceto quando ela é feita de forma prejudicial ou irresponsável, como no caso da propaganda enganosa.

Mas este assunto ainda nos rende muita conversa e será tema para um próximo artigo! Se você deseja saber mais sobre manipulação e como evitar ser manipulado, não deixe de conferir nosso próximo conteúdo, que será publicado em breve! E aproveite para deixar a sua opinião em relação a esse tema, pois assim como é bastante velado nos dias de hoje, é extremamente necessário ser colocado às claras.

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