Conexão Perdida: as implicações cerebrais e sociais das videochamadas

O Zoom, a plataforma de videoconferência que, a essa altura, virou rotina para a maioria das empresas, foi um grande diferencial durante a pandemia em relação às reuniões que não podiam ser feitas de forma presencial. As empresas usaram e abusaram da ferramenta para trabalhar da melhor forma possível e a ferramenta, assim como suas concorrentes, passou a ser parte essencial das nossas rotinas.

Mas provavelmente você já participou de uma reunião muito importante e acabou percebendo que as nuances das suas expressões e tom de voz não foram captados como seriam em uma conversa presencial. Às vezes acontece até aquele momento meio desagradável onde tentamos fazer uma piada para aliviar a tensão, mas sem o contato visual direto e a linguagem corporal, a piada não tem o mesmo efeito, não é? A reunião termina e ficamos nos sentindo que se estivéssemos no mesmo ambiente que nossos colegas da reunião, a conversa teria sido mais produtiva e agradável. Se você já sentiu assim, achando que uma reunião de Zoom não foi realmente como um bate-papo pessoal, a ciência está do seu lado: Segundo um estudo publicado recentemente pela revista Imaging Neuroscience, olhar para o rosto de outra pessoa através de uma tela de computador ao vivo provoca níveis mais baixos de certas atividades cerebrais e excitação social, em comparação com vê-las na realidade, em outra palavras, a plataforma pode deixar o “cérebro desestimulado”.

O estudo “Separable processes for live “in-person” and live “zoom-like” faces”, conduzido por um grupo de neurocientistas de vários departamentos da Yale School of Medicine, East China Normal University e University College London, examinou a atividade cerebral e de excitação social de 28 participantes em interações presenciais e virtuais. Os resultados revelaram diferenças marcantes, destacando que as interações virtuais desencadeiam níveis mais baixos de atividade cerebral e excitação social em comparação com os encontros presenciais.

Os pesquisadores usaram ferramentas sofisticadas de imagem para rastrear em tempo real a atividade cerebral de duas pessoas conversando e descobriram várias atividades neurais em áreas específicas do cérebro acontecendo ao mesmo tempo em relação às interações sociais — peças-chave nos relacionamentos interpessoais. Porém, quando feito com duas pessoas conversando por meio de reuniões online, eles observaram a sinalização neural mais suprimida em comparação com a atividade observada naqueles que conversavam cara a cara.

Joy Hirsch, PhD

Joy Hirsch, professora de psiquiatria e de medicina comparativa e neurociência, autora sênior do estudo, apontou que:

“Os sistemas sociais do cérebro humano são mais ativos durante encontros presenciais reais do que no Zoom. Este parece ser um sistema de comunicação social empobrecido em relação às condições pessoais”.

A pesquisa ainda ressalta que as interações sociais são a pedra angular de todas as sociedades humanas, e os nossos cérebros estão perfeitamente sintonizados para processar sinais faciais dinâmicos durante encontros pessoais reais.

Reuniões virtuais cansam mais que presenciais?

E esse não é o único estudo científico a depor contra as reuniões virtuais e a interação social via internet. Um estudo feito pela universidades da Áustria realizou exames neurológicos e cardíacos após reuniões virtuais e comprovou que elas realmente provocam cansaço, tristeza, sonolência e sentimentos negativos. Os especialistas realizaram eletroencefalogramas (EEG) e eletrocardiogramas (ECG) em 35 estudantes universitários após uma palestra de 50 minutos de duração. Enquanto um grupo estava em uma sala de aula convencional, o outro estava em uma videoconferência. Os resultados mostraram que o grupo que acompanhou a aula de modo online tinha sinais significativamente maiores de fadiga, tristeza, sonolência e sentimentos negativos, assim como menos atenção e envolvimento no que estavam fazendo.

Os participantes relataram sentir mais cansaço, sonolência e irritação do que os que estavam em uma palestra presencial. Eles também relataram estar menos animados, felizes e dispostos.

“A ausência de sinais não-verbais mais sutis nas interações virtuais inibe a riqueza da comunicação, dificultando o engajamento e a conexão dos participantes”

Explica Gernot Müller-Putz, engenheiro biomédico da Universidade de Tecnologia de Graz, na Áustria, e um dos autores do estudo.

Entre as consequências deste cansaço, os pesquisadores apontam a potencial deterioração da qualidade da comunicação e da colaboração. Isso pode ter impactos tanto profissionais quanto pessoais.

Essas descobertas indicam que, à medida que as telas se tornam substitutas comuns para encontros presenciais, há implicações sociais substanciais. Mas será que a dependência excessiva de plataformas de videoconferência para educação, telemedicina e até mesmo em nossa vida pessoal pode ter consequências para a qualidade das interações humanas?

As  interações sociais importam tanto assim?

Sim! As interações sociais desempenham um papel fundamental no nosso bem-estar psicológico. Relacionamentos interpessoais saudáveis e um forte suporte social são elementos essenciais que contribuem significativamente para a saúde mental e para a melhoria geral da qualidade de vida. A presença de relações sociais positivas e significativas oferece uma rede de apoio emocional, reduzindo o estresse e promovendo sentimentos de segurança e pertencimento.

Além dos benefícios pessoais, a capacidade de interagir efetivamente com os outros é uma competência crucial no ambiente de trabalho. Essa habilidade não apenas fortalece o espírito de equipe, mas também aprimora a eficiência e a produtividade organizacional. Em um ambiente de trabalho colaborativo, a comunicação eficaz e as habilidades interpessoais facilitam a resolução de problemas e estimulam a inovação. Os colaboradores que se comunicam bem e trabalham bem juntos tendem a ser mais criativos e proativos na busca de soluções inovadoras para desafios comuns.

Além disso, no contexto empresarial, a habilidade de interagir é indispensável para uma liderança eficaz. Líderes que possuem fortes habilidades sociais são capazes de inspirar e motivar suas equipes, criar um ambiente de trabalho positivo e gerir conflitos de maneira construtiva. Esses líderes são adeptos não apenas na gestão de projetos e tarefas, mas também no manejo das dinâmicas humanas, o que é crucial para o sucesso a longo prazo de qualquer organização.

Por isso, as interações sociais, tanto em contextos pessoais quanto profissionais, são vitais para o desenvolvimento e a manutenção de uma sociedade saudável e funcional. Investir no desenvolvimento de habilidades sociais e na construção de relacionamentos saudáveis pode ter um retorno imenso, não apenas para o indivíduo, mas para toda a estrutura organizacional na qual ele está inserido.

O Impacto das Interações Virtuais nas Relações Pessoais

Uma das principais consequências das interações virtuais é a limitação na conexão emocional. A comunicação presencial é rica em nuances, incluindo expressões faciais, linguagem corporal e contato visual, elementos essenciais para o entendimento emocional e empático. Nas interações virtuais, como os estudos que trago neste artigo nos apontam, esses aspectos são reduzidos, o que pode levar a mal-entendidos e uma sensação de distanciamento emocional. Além disso, as relações pessoais se fortalecem por meio de experiências compartilhadas. Em um ambiente virtual, essas experiências são limitadas, afetando a profundidade e a qualidade dos relacionamentos. O isolamento físico, exacerbado pelo uso excessivo de plataformas digitais, pode levar a sentimentos de solidão e desconexão, mesmo quando estamos constantemente “conectados”.

A manutenção de relacionamentos existentes e a formação de novos laços também enfrentam desafios no ambiente virtual. A falta de interação física e a tendência à comunicação mais superficial podem esfriar relações já estabelecidas e dificultar a criação de novas conexões autênticas.

O estudo comandado por Joy Hirsch oferece insights valiosos sobre esses impactos e sugere que pequenos ajustes cientificamente informados podem melhorar a experiência de conexão online. Ela afirma que as videochamadas são parte integrante de nosso futuro, e a pesquisa não é uma razão para evitá-las, mas sim um estímulo para aprimorá-las. A cientista sugere possíveis melhorias, como monitores com câmeras integradas para facilitar o contato visual e mais sincronia social.  O estudo também nos lembra que, apesar do avanço tecnológico, talvez não haja substituto para a interação cara a cara. A vida transcende as telas, e compreender as limitações das videochamadas é o primeiro passo para usá-las de maneira mais eficaz em nosso mundo cada vez mais virtual.

Ao abordar as interações virtuais com consciência e buscando sempre o equilíbrio, podemos usar a tecnologia a nosso favor, minimizando seus impactos negativos nas relações pessoais e mantendo a qualidade e profundidade de nossas conexões humanas. Pontuo aqui outros caminhos para mitigar os efeitos negativos das interações virtuais nas relações pessoais:

Equilíbrio entre Virtual e Presencial: Estabeleça diretrizes claras para determinar quando as interações devem ser presenciais ou virtuais, com base em critérios como a natureza da reunião, objetivos específicos e preferências dos participantes. Incentive a alternância entre modos de comunicação para manter o engajamento, e avalie periodicamente o equilíbrio entre eles, fazendo ajustes conforme necessário.

Uso Consciente da Tecnologia: Promova a auto reflexão sobre o uso da tecnologia, incentivando as pessoas a considerarem como seus hábitos digitais afetam seu bem-estar e relacionamentos. Implemente e compartilhe estratégias práticas para gerenciar o tempo de tela, como estabelecer limites de tempo específicos, usar aplicativos de monitoramento de uso ou designar “zonas livres de tecnologia” em casa.

Comunicação Profunda e Significativa: Desenvolva e compartilhe técnicas para aprimorar a comunicação online, como usar videochamadas para conversas mais pessoais ou enviar mensagens de voz para expressar emoções de uma forma melhor.

Atenção à Saúde Mental: Crie uma cultura de abertura sobre saúde mental, incentivando a discussão sobre como a interação virtual afeta o bem-estar emocional. Ofereça recursos e workshops sobre autocuidado digital e saúde mental, e estabeleça canais de apoio para aqueles que precisam de ajuda profissional. Incentive práticas como a meditação e o exercício físico para equilibrar a vida digital e física.

Tecnologia como Ferramenta de Aproximação: Explore e divulgue maneiras criativas e inovadoras de usar a tecnologia para fortalecer relacionamentos. Isso pode incluir organizar eventos virtuais com temáticas especiais, criar espaços online para compartilhar hobbies ou interesses, e promover projetos colaborativos que utilizem a tecnologia para conectar pessoas com interesses comuns.

O equilíbrio é a chave!

Essas descobertas salientam o impacto substancial das videochamadas na qualidade de nossas interações como sociedade, não só no aspecto profissional, mas também no pessoal. A limitação na expressão de emoções e na conexão emocional, a dificuldade em manter relações e a sensação de fadiga e distanciamento emocional são consequências claras da predominância das interações virtuais. Por outro lado, as interações presenciais favorecem uma comunicação mais efetiva, fortalecem laços interpessoais e são fundamentais para o bem-estar psicológico e a produtividade.

A resposta para esses desafios é uma abordagem equilibrada, que combine interações virtuais e presenciais, um uso consciente da tecnologia, comunicações mais profundas, atenção à saúde mental e a utilização da tecnologia como uma ferramenta de aproximação, e não de distanciamento. Reconhecer as limitações das interações virtuais e buscar maneiras de melhorar a experiência de conexão online são passos essenciais para um futuro onde a tecnologia sirva para fortalecer, e não enfraquecer, nossas conexões humanas.

Assim, enquanto navegamos neste mundo cada vez mais digital, é fundamental manter a qualidade e profundidade de nossas relações, lembrando sempre que, apesar dos avanços tecnológicos, nada substitui o valor e a importância da interação humana verdadeira, seja ela digital ou presencial.

Enquanto navegamos nesta era rumo ao futuro, precisamos nos esforçar para fortalecer nossas conexões, reconhecendo que a verdadeira essência das relações sociais reside na interação direta e pessoal.

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