Os desafios relacionados à saúde mental têm ganhado cada vez mais destaque no mundo corporativo, à medida que empregadores e gestores reconhecem a importância de promover o bem-estar psicológico de seus colaboradores. O Brasil é líder no mundo em prevalência de transtornos de ansiedade, de acordo com uma pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS) divulgada em 2017.
Novos dados divulgados no ano passado, do levantamento nacional Covitel 2023 (Inquérito Telefônico de Fatores de Risco para Doenças Crônicas Não Transmissíveis em Tempos de Pandemia), apontam que 26,8% dos brasileiros receberam diagnóstico médico de ansiedade. Um terço (31,6%) da população mais jovem, de 18 a 24 anos, é ansiosa — os maiores índices de ansiedade, líder entre todas as faixas etárias no Brasil. As prevalências são maiores no Centro-Oeste (32,2%) e entre as mulheres (34,2%). Além disso, 12,7% relatam já terem recebido diagnóstico médico para depressão. As maiores prevalências estão na região Sul (18,3% de pessoas com depressão), entre as mulheres (18,1% delas já tiveram diagnóstico), e na faixa etária de 55 a 64 anos (17%), seguida pelos jovens de 18 a 24 anos (14,1%).
Dados preocupantes como esses só nos lembram o quanto é importante para os líderes estarem atentos às preocupações de saúde mental de suas equipes, reconhecendo a conexão entre o bem-estar psicológico e o desempenho no trabalho, engajamento e retenção de talentos. No entanto, é crucial abordar essas questões de maneira equilibrada, evitando o risco de incentivar uma excessiva introspecção e foco nos pensamentos e sentimentos negativos, o que pode agravar os problemas de saúde mental.
Cuidado com o Viés Interno: Desafios da Sensibilização Excessiva
A sensibilização para a saúde mental, embora crucial, pode inadvertidamente levar as pessoas a concentrarem-se excessivamente em suas próprias lutas internas. Campanhas e comunicações organizacionais frequentes sobre saúde mental, embora bem-intencionadas, podem inadvertidamente contribuir para a patologização da vida cotidiana, que ocorre quando experiências comuns de desconforto ou ansiedade são interpretadas de forma excessivamente patológica.
Estudos têm indicado que a constante exposição a mensagens sobre saúde mental pode levar algumas pessoas a interpretar erroneamente experiências normais de estresse ou tristeza como indicativos de transtornos mentais. Isso pode resultar em uma espécie de viés interno, onde a percepção do indivíduo sobre sua própria saúde mental pode ser distorcida, levando a preocupações desnecessárias ou à busca de intervenções clínicas para questões que podem ser melhor gerenciadas por meio de estratégias de enfrentamento cotidianas.
Este fenômeno não significa que a sensibilização para a saúde mental deva ser evitada ou reduzida; pelo contrário, é extremamente importante. No entanto, é essencial que as campanhas e comunicações sejam balanceadas e informem sobre a diferença entre desafios comuns de saúde mental e transtornos clínicos. Isso ajuda a prevenir a medicalização desnecessária de experiências normais de vida e promove uma compreensão mais saudável e equilibrada da saúde mental.
Além disso, é importante que as pessoas tenham acesso a informações confiáveis sobre o que constitui um transtorno mental e quando buscar ajuda profissional. Isso pode incluir a educação sobre a diferença entre emoções comuns, como tristeza ou preocupação, e condições que requerem intervenção, como depressão clínica ou transtornos de ansiedade.
Em resumo, enquanto a sensibilização para a saúde mental é vital, ela deve ser feita de maneira que evite a patologização de experiências normais e promova uma compreensão equilibrada do bem-estar psicológico.
Abordagem de Ação Externa para a Saúde Mental
Para evitar esses desafios, a solução pode ser uma abordagem de ação externa para a saúde mental. Em vez de incentivar a fixação nos próprios pensamentos e emoções negativas, esse caminho direciona a atenção para atividades externas que promovem o florescimento psicológico. Aqui estão três estratégias baseadas em evidências para construir uma cultura organizacional positiva para a saúde mental:
1. Incentive Atos de Bondade para com os Outros
Pesquisas recentes destacam que envolver-se regularmente em atos de bondade para com os outros pode reduzir significativamente os sintomas de ansiedade e depressão. Essa abordagem eficaz desvia a atenção das preocupações pessoais, incentivando ações externas positivas.
O estudo “Acts of Kindness and Mental Health”, conduzido por David Cregg enquanto ele completava sua dissertação de doutorado na Ohio State University, com a colaboração de Jennifer Cheavens, professora de psicologia na mesma universidade, mostrou que aqueles que começaram a incluir pequenos atos de bondade em seu dia a dia apresentaram uma melhora em seus sintomas de depressão e ansiedade. A pesquisa foi realizada com 122 pessoas e os atos de bondade incluíram ações como escrever um bilhete de apoio a um amigo ou comprar um café para alguém. Além de ajudar os outros, esses gestos gentis foram mais eficazes do que algumas técnicas usadas na terapia cognitivo-comportamental (TCC) para aumentar os sentimentos de conexão social.
Nesse contexto, líderes podem liderar pelo exemplo, expressando gratidão, incentivando o voluntariado e reservando tempo para conversas significativas com os funcionários.
2. Promova o Exercício Físico
Como não me canso de falar em meus artigos, o exercício físico pode ser uma das melhores formas de melhorar a saúde mental. Além de seus benefícios físicos que todos conhecemos, o exercício tira o foco da mente dos problemas, quebrando o ciclo de pensamentos negativos associados à ansiedade e depressão.
A Universidade Federal Fluminense, do Rio de Janeiro, conduziu um estudo muito relevante justamente sobre esse impacto do exercício físico na saúde mental, especialmente em relação à ansiedade e depressão. A pesquisa conduzida por Rudy Alves Costa, Hugo Leonardo Rodrigues Soares e José Antônio Caldas Teixeira, aponta justamente o que falo acima: a importância da prática regular de exercícios físicos como uma medida preventiva e como um complemento ao tratamento da depressão.
Os autores destacaram várias hipóteses para explicar a ação dos exercícios sobre a ansiedade e depressão, incluindo a teoria das endorfinas, que sugere que a atividade física desencadeia uma secreção de endorfinas capaz de provocar um estado de euforia natural, aliviando os sintomas da depressão. Outra hipótese considerada foi a melhoria da autoestima e da imagem de si mesmo através da prática regular de exercícios. Os resultados ressaltam que a atividade física está positivamente ligada à saúde mental e ao bem-estar, comprovando que além dos benefícios fisiológicos, a prática regular de exercícios físicos proporciona benefícios psicológicos, como uma melhor sensação de bem-estar, humor, autoestima, e também a redução da ansiedade, tensão e depressão.
O caminho mais simples para promover essa visão para sua equipe, é oferecer incentivos para atividades físicas, como inscrições em academias locais e horários de trabalho flexíveis.
3. Torne o Trabalho Significativo
Dar significado ao trabalho é um poderoso recurso para a saúde mental. Trazer a atenção dos colaboradores em como seu trabalho beneficia algo maior do que eles mesmos aumenta o significado e o engajamento. Essa concepção está bem fundamentada em pesquisas psicológicas e organizacionais: a teoria da autorrealização, por exemplo, proposta pelo psicólogo americano Abraham Maslow, sugere que a realização pessoal e profissional é uma necessidade humana fundamental.
Quando enfatizamos o propósito e a importância do trabalho dentro da empresa, ajudamos os colaboradores a ver como suas tarefas contribuem para objetivos maiores. Isso pode aumentar o engajamento e a satisfação no trabalho, conforme demonstrado em diversas pesquisas. Por exemplo, um estudo realizado por Amy Wrzesniewski e Jane Dutton, que introduziram o conceito de “job crafting” (modelagem do trabalho), mostrou que funcionários que conseguem encontrar um significado pessoal em suas funções tendem a ser mais satisfeitos, engajados e eficientes.
Intitulado “Crafting a Job: Revisioning Employees as Active Crafters of Their Work”, publicado no ano 2001, o estudo focou em entender como os funcionários podiam modificar proativamente suas atividades e percepções sobre suas funções para melhor se alinharem com suas preferências pessoais e profissionais. Este estudo foi pioneiro ao mostrar que a modificação proativa do trabalho pelos funcionários pode levar a resultados positivos tanto para os indivíduos quanto para as organizações. Ele abriu caminho para pesquisas subsequentes sobre a autonomia no local de trabalho e como ela pode ser utilizada para melhorar o bem-estar e a produtividade dos funcionários.
Um bom caminho para isso é enfatizar a importância do propósito nas descrições de funções, projetos e tarefas, incentivando os colaboradores a identificarem as maneiras pelas quais contribuem positivamente para sua organização e para seus colegas como um todo.
Equilíbrio entre Cuidado e Produtividade
A conscientização sobre a saúde mental é um componente fundamental no ambiente de trabalho moderno, – não podemos e não devemos negar isso -, mas é importante adotar uma abordagem equilibrada. Como já mencionei neste outro artigo, o relatório Relatório bienal de Saúde Mental no Trabalho de 2023, feito pela Mind Share Partners, revelou uma tendência interessante: colaboradores tendem a valorizar mais uma cultura de trabalho saudável do que simplesmente ter acesso a recursos terapêuticos. Isso sugere que, para promover efetivamente a saúde mental em um contexto organizacional, precisamos priorizar a criação de uma cultura que enfatize a bondade, a atividade física e a busca de propósito no trabalho. Implementar essas práticas pode auxiliar significativamente no suporte à saúde mental dos colaboradores, evitando ao mesmo tempo uma introspecção excessiva, que pode ser contraproducente.
Alcançar um equilíbrio ideal entre cuidado e eficiência é um aspecto crítico para o bem-estar holístico dos indivíduos e para o sucesso sustentável de qualquer organização. Enfatizar a importância de uma cultura de trabalho positiva e inclusiva, onde a saúde mental é uma prioridade, mas não à custa da produtividade, pode ser a chave para criar um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo. Este equilíbrio garante que as equipes se sintam valorizadas e apoiadas, enquanto contribuem de maneira eficaz para os objetivos das organizações.