Como a era digital está destruindo sua atenção e o que fazer para recuperá-la!

Imagine-se em uma sala silenciosa, com uma pilha de tarefas importantes à sua frente. Você prometeu que hoje seria diferente. Hoje você seria produtivo e resolveria todas aquelas pendências que vem adiando há dias. Você tenta focar nos seus objetivos, uma, duas, três vezes, mas sem sucesso… Tudo o que você consegue fazer é alternar entre abas do navegador, esperando algo interessante acontecer no Facebook ou Instagram. Este cenário é familiar para muitos de nós, e a dificuldade em se concentrar em tarefas importantes ou desafiadoras é um problema crescente na era digital.

A falta de foco não é apenas um incômodo trivial; ela pode ter consequências em várias áreas da vida. No trabalho, a incapacidade de se concentrar pode resultar em prazos perdidos, qualidade inferior de trabalho e, eventualmente, impacto negativo na carreira. Profissionais que não conseguem manter o foco muitas vezes lutam para acompanhar as demandas, levando a um ciclo de estresse e de baixo desempenho. Além disso, a dificuldade de focar em tarefas importantes pode contribuir para problemas de saúde mental. A constante alternância entre tarefas e a busca por gratificação instantânea podem levar a sentimentos de ansiedade e insatisfação crônica.

Os dados alarmantes de Gloria Mark, autora do livro “Attention Span: A Groundbreaking Way to Restore Balance, Happiness and Productivity” (Tempo de Atenção: Uma Forma Inovadora de Restaurar o Equilíbrio, a Felicidade e a Produtividade, na tradução livre), ilustram ainda mais a gravidade do problema. Em 2004, a média de atenção em uma tela era de 2 minutos e meio. Anos depois, esse tempo caiu para 75 segundos, e pesquisas recentes mostram que a atenção média caiu para apenas 47 segundos. Quando a atenção é desviada de uma tarefa ativa, pode levar cerca de 25 minutos para se concentrar novamente na tarefa original. Isso significa que estamos constantemente pulando de uma tarefa para outra, acumulando um “custo de troca” que envolve o tempo necessário para reorientar-se, o que aumenta os erros e o estresse.

Mergulhando nas raízes desse fenômeno, comecei a me perguntar: Por que é tão difícil manter o foco em atividades que realmente importam? E, o mais importante, podemos reprogramar nosso cérebro para melhorar o foco? Guiado por pesquisas científicas recentes, aqui vão alguns insights que podem transformar sua capacidade de concentração e produtividade.

O Papel da Dopamina e Era dos Estímulos Supernormais

Para entender a dificuldade de focar, é fundamental explorar o papel da dopamina, um neurotransmissor essencial no sistema de recompensa do nosso cérebro. Popularmente chamada de “químico do prazer”, a dopamina é, na verdade, mais precisamente descrita como o “químico da motivação”. Ela é liberada quando nosso cérebro antecipa uma recompensa, seja ela grande ou pequena. Essa liberação de dopamina cria uma sensação de expectativa e desejo, que nos impulsiona a agir para obter a recompensa esperada. Por exemplo, a perspectiva de completar uma tarefa difícil e receber elogios ou sucesso futuro pode aumentar os níveis de dopamina, nos motivando a continuar trabalhando. No entanto, em um mundo repleto de distrações digitais e recompensas rápidas e fáceis, nosso sistema de dopamina pode ser sequestrado por estímulos menos significativos, dificultando a concentração em tarefas mais importantes e demoradas.

Sequestrado? Como assim?

Para começarmos a entender, precisamos saber que nosso cérebro pouco mudou desde os tempos de nossos ancestrais caçadores-coletores. Naquele tempo, a dopamina nos motivava a realizar atividades essenciais para a sobrevivência, como caçar ou coletar alimentos. Cada vez que nossos ancestrais encontravam uma fruta que gostavam muitos ou avistavam uma presa, uma onda de dopamina dava a energia necessária para agir – para caçar, ou escalar uma grande árvore em busca da fruta, por exemplo. Pesquisas recentes de David Linden, neurocientista da Universidade Johns Hopkins, mostram que nosso cérebro moderno responde da mesma forma a estímulos que prometem recompensas, seja um like em uma postagem no Instagram ou um alerta de nova mensagem no WhatsApp. Este sistema de recompensa, adaptado para a sobrevivência em ambientes naturais, se torna vulnerável ao excesso de estímulos do mundo digital.

Diferente da vida dos nossos ancestrais, nossa vida moderna introduziu o conceito de “estímulos supernormais” — estímulos artificialmente amplificados que o cérebro interpreta como extremamente importantes. Esses estímulos incluem junk food, redes sociais e jogos online, que são projetados para maximizar a liberação de dopamina e, consequentemente, nossa atração por eles. Segundo a Dra. Anna Lembke, professora de psiquiatria e especialista em vícios da Universidade de Stanford, esses estímulos supernormais podem “sequestrar” nossos circuitos de recompensa. Em suas pesquisas, a Dra. Lembke explica que a constante exposição a esses estímulos cria um ciclo vicioso: a liberação excessiva de dopamina devido a esses estímulos faz com que atividades cotidianas e menos intensas se tornem menos atraentes e “prazerosas”. Como resultado, buscamos cada vez mais essas fontes de dopamina intensificadas, negligenciando tarefas que requerem esforço e foco prolongado. Essa busca incessante por gratificação instantânea não só prejudica nossa capacidade de concentração, mas também pode levar ao desenvolvimento de comportamentos compulsivos e viciantes, tornando essencial nossa compreensão e atenção em como lidamos com esses estímulos no dia a dia.

Isso é exemplificado no estudo realizado pela Dra. Kelly McGonigal, psicóloga da Universidade de Stanford, que revelou que o uso excessivo de redes sociais pode criar um ciclo vicioso de gratificação instantânea, prejudicando nossa capacidade de focar em tarefas mais exigentes. Em sua pesquisa, a Dra. McGonigal explica que cada notificação recebida nas redes sociais provoca a liberação de dopamina, gerando uma sensação temporária de prazer e satisfação. Mas esse prazer imediato tem um custo: com o tempo, nossa sensibilidade a estímulos mais sutis e prolongados, como estudar ou trabalhar, diminui muito. Isso acontece porque o cérebro começa a preferir as recompensas rápidas e fáceis oferecidas pelas redes sociais, nos levando  a buscar constantemente essa gratificação instantânea em vez de nos envolvermos em atividades que demandam esforço e concentração prolongados. O resultado é uma diminuição da capacidade de manter o foco em tarefas importantes, comprometendo a produtividade e o desempenho em diversas áreas da vida.

A junk food, projetada para ser extremamente prazerosa, tem um efeito similar ao das redes sociais na forma como impactam nosso cérebro. O Dr. Michael Moss, autor e jornalista investigativo americano, mostrou em seus livros que alimentos ricos em açúcar e gordura ativam intensamente nossos circuitos de recompensa, liberando grandes quantidades de dopamina. Essa liberação intensa cria uma sensação de prazer imediato e forte desejo por mais, tornando difícil resistir a esses alimentos. Como resultado, opções alimentares mais saudáveis e menos estimulantes tornam-se menos atraentes. O Dr. Moss explica que esse efeito pode levar a um ciclo de compulsão alimentar, onde a busca por gratificação rápida e fácil através da junk food se sobrepõe à necessidade de uma dieta equilibrada. Esse ciclo não só prejudica a saúde física, contribuindo para problemas como obesidade e diabetes, mas também afeta a capacidade de focar em outras áreas da vida que requerem paciência e dedicação, já que o cérebro se torna cada vez mais condicionado a buscar recompensas instantâneas.

A Procrastinação como Mecanismo de Defesa

E sabe aqueles momentos em que, por mais que você saiba que está cheio de coisa para fazer, não consegue focar e resolver o que precisa ser feito e acaba passando horas vendo vídeos nas redes sociais ou jogando no celular? A Dra. Piers Steel, da Universidade de Calgary, sugere que a famosa procrastinação pode ser vista como uma resposta ao estresse causado pela antecipação de tarefas difíceis. Em seu livro “The Procrastination Equation: How to Stop Putting Things Off and Start Getting Stuff Done”, ela explica que quando nosso cérebro percebe uma tarefa como aversiva, ele procura formas de evitar o desconforto imediato, recorrendo a atividades que proporcionem gratificação rápida e fácil, como navegar na internet ou jogar. Este comportamento é um mecanismo de defesa que o cérebro usa para escapar da ansiedade e do esforço mental associado a tarefas desafiadoras. A procrastinação, então, não é apenas uma questão de preguiça ou falta de disciplina, mas sim uma estratégia de enfrentamento para lidar com o estresse e a aversão ao trabalho difícil.

Curiosamente, a procrastinação também pode desempenhar um papel positivo no processo criativo. Alguns estudos sugerem que períodos de procrastinação podem permitir que a mente subconsciente trabalhe em segundo plano, facilitando insights e soluções criativas. Quando nos afastamos temporariamente de um problema ou tarefa, podemos retornar com uma perspectiva renovada e ideias inovadoras. Este fenômeno, conhecido como “incubação”, pode ser benéfico em áreas que exigem pensamento criativo e resolução de problemas complexos. Portanto, embora a procrastinação excessiva seja prejudicial, um certo grau de adiamento pode, paradoxalmente, enriquecer o processo criativo, proporcionando tempo para a reflexão e a gestação de novas ideias. Mas aqui vale ressaltar mais uma vez a importância da nossa compreensão sobre isso para que possamos lidar da melhor forma com tantos estímulos.

Estratégias para Reprogramar o Cérebro

Mas então, como podemos superar os desafios de manter o foco e combater a procrastinação? A resposta está em adotar estratégias que ajudem a reprogramar o cérebro. Vamos explorar algumas abordagens baseadas em pesquisas científicas que podem contribuir para uma melhor gestão da atenção e produtividade:

Redução dos Estímulos Supernormais:

Para lidar com os estímulos supernormais, como junk food, redes sociais e jogos online, que maximizam a liberação de dopamina e sequestram nossos circuitos de recompensa, a Dra. Anna Lembke, da Universidade de Stanford, sugere que períodos de “jejum” podem ajudar a recalibrar esses sistemas. Embora um detox de dopamina tradicional (evitar tudo que é prazeroso por 24 horas) se baseie em uma compreensão incorreta da dopamina, reduzir gradualmente a exposição a esses estímulos pode ser benéfico. Você pode, por exemplo, usar widget de tempo de uso do celular, que mostra o tempo gasto em cada aplicativo. Assim, você pode ter uma noção clara de quantas horas do dia foram gastas nas redes sociais ou jogos e, a partir disso, estabelecer um tempo menor dedicado a entretenimento no celular. Reduzir esse tempo pode diminuir a dependência de gratificação instantânea. Isso permite que o cérebro se reequilibre e aprecie recompensas mais importantes, como a satisfação de completar uma tarefa de trabalho pendente.

Adoção de Hábitos Saudáveis:

Dr. Andrew Huberman, neurocientista da Universidade de Stanford, propõe atividades como exercícios físicos, meditação e leitura como formas de liberar dopamina de maneira mais equilibrada. A prática regular de exercícios aeróbicos, como correr, nadar ou andar de bicicleta, não só promove uma sensação de bem-estar e euforia, conhecida como “runner’s high”, mas também melhora a função cognitiva e a capacidade de aprendizagem. Já as técnicas mindfulness, em particular, treinam o cérebro para focar no momento presente e ignorar distrações, fortalecendo as conexões neurais associadas ao controle da atenção. Estudos mostram que a meditação regular pode aumentar a densidade da matéria cinzenta no cérebro, especialmente nas áreas relacionadas à autorregulação e ao processamento emocional.

Foco no Processo, Não na Recompensa:

Já Dra. Carol Dweck, psicóloga de Stanford, mostra em seus estudos que pessoas que se concentram no processo e na aprendizagem, em vez de apenas no resultado final, tendem a ter mais motivação e resiliência. Essa abordagem, conhecida como “mentalidade de crescimento”, enfatiza a valorização do esforço e do progresso diário, ao invés de se fixar exclusivamente na meta final. Isso significa apreciar cada etapa do caminho, reconhecendo os pequenos avanços e as melhorias contínuas. Essa mentalidade reduz a ansiedade associada à busca por resultados imediatos. Quando se valoriza o processo, a pressão para atingir um resultado perfeito diminui, permitindo que as pessoas trabalhem de forma mais relaxada e equilibrada.

Planejamento e Organização:

Especialista em procrastinação da Universidade de Carleton, o Dr. Timothy Pychyl, com base em suas pesquisas, sugere dividir grandes tarefas em partes menores e mais gerenciáveis. Utilizar ferramentas como listas de tarefas e técnicas de gestão do tempo também pode ser extremamente benéfico. Ele aponta que dividir tarefas grandes em etapas menores e específicas pode reduzir a sensação de sobrecarga e tornar mais fácil começar e manter o foco. Já a lista de tarefas, além de te ajudar a se organizar melhor e priorizar essas etapas menores, também proporciona uma sensação de realização à medida que cada item é riscado. Ao ver progresso contínuo, mesmo que em pequenos passos, a confiança aumenta e a resistência à procrastinação diminui. Essa técnica também permite ajustes mais fáceis ao planejamento, pois tarefas menores são mais flexíveis e podem ser realocadas com menos dificuldade do que grandes blocos de trabalho.

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Então, com isso chegamos a conclusão que a jornada para melhorar o foco e a motivação é contínua e exige esforço consciente, para assim trazer satisfação verdadeira das suas conquistas, em vez de se distrair com prazeres momentâneos. A luta contra a distração e a busca por um foco mais profundo são desafios comuns na era digital, mas são desafios que podem ser superados com compreensão e prática. Ao entender como nosso cérebro funciona e como ele reage aos estímulos modernos, você pode adotar estratégias para reprogramá-lo e criar hábitos que favoreçam seu  foco e sua produtividade.

Ao incorporar essas estratégias que apresentei neste artigo, você dará os primeiros passos rumo a uma vida mais focada, mas sem necessariamente se cobrar ou se desgastar para isso. A chave está em reconhecer a influência dos estímulos supernormais, reduzir sua exposição a eles e cultivar um ambiente e hábitos que promovam um foco mais saudável e sustentável. Então, desafie-se a adotar essas práticas, observe as mudanças que ocorrem e inspire-se a continuar evoluindo. O caminho para uma vida mais plena e produtiva está ao seu alcance, basta dar o primeiro passo.

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