Ansiedade ou apatia: o que comanda suas decisões quando tudo é incerto?

O artigo abaixo é um pouco mais longo do que os que costumo trazer aqui, mas achei que seria válido não resumi-lo, pois o assunto é interessante e pode ajudar muita gente, principalmente em cargos de liderança. Então abaixo estão os 3 pontos principais tratados no texto:

1. Ansiedade e apatia moldam decisões de forma oposta: Pessoas ansiosas tendem a perceber o mundo como instável e reagem mudando de estratégia com frequência. Já as apáticas veem tudo como aleatório e acreditam que seus esforços não fazem diferença, o que leva à estagnação.

2. Compreender essas emoções permite decisões mais equilibradas: Reconhecer como o seu estado emocional distorce a percepção de risco e controle ajuda a fazer escolhas mais lúcidas, especialmente em momentos de incerteza ou pressão.

3. Esse conhecimento pode transformar sua forma de agir no dia a dia: Saber como você reage à incerteza impacta diretamente sua motivação, foco e persistência. Com esse entendimento, é possível ajustar atitudes no trabalho, nos estudos e nos relacionamentos, evitando tanto o excesso de ação quanto a paralisia.

O que está por trás das nossas decisões em momentos de incerteza?

Tomar decisões envolve risco. Comprar ou não um apartamento? Trocar ou não de emprego? Pedir desculpas ou esperar o tempo passar? Em todas essas situações, não sabemos exatamente o que vai acontecer. E é aí que entra a incerteza.

Mas nem toda incerteza é igual. A ciência mostra que ela tem duas faces:

  1. Volatilidade — o quanto o ambiente muda com o tempo. Por exemplo, se o mercado de tecnologia vive mudando, a percepção de volatilidade é alta.
  2. Estocasticidade — o quanto os resultados são imprevisíveis, mesmo que o ambiente seja estável. É o fator “sorte”, como em um jogo de cartas.

Esses dois conceitos moldam nossas estratégias. Se achamos que o mundo muda o tempo todo, tendemos a testar mais coisas, mudar de rota, explorar. Se achamos que tudo é aleatório, podemos concluir que não adianta tentar. É como pensar: “De que adianta mudar, se nada depende de mim?”

Essa é a chave: nossa percepção da incerteza molda nossas escolhas. E essa percepção não é neutra. Ela é profundamente influenciada pelas nossas emoções.

Como ansiedade e apatia alteram nossa forma de ver o mundo?

Vamos falar de ansiedade e apatia. Dois estados emocionais que parecem muito diferentes — e são. Mas têm algo em comum: surgem quando estamos diante de incertezas. A forma como cada um responde, porém, é radicalmente distinta.

Ansiedade

A ansiedade faz com que a pessoa veja o mundo como em constante mudança. Nada é fixo, nada é certo. Isso gera um tipo de alerta constante. Como se o cérebro dissesse: “Você precisa ficar de olho, porque tudo pode mudar a qualquer momento.” E por isso, muitas vezes, a pessoa ansiosa tenta se antecipar a essas mudanças, testando alternativas, buscando novas opções. Não por curiosidade, mas por medo.

Apatia

A apatia, por outro lado, vem de uma sensação oposta: de que nada muda, de que nada importa. A pessoa não vê relação clara entre esforço e resultado. O mundo parece aleatório. E se tudo é questão de sorte, por que tentar? A resposta emocional é o desligamento. Não é tristeza, necessariamente — é desinteresse.

Pense em um exemplo simples: dois amigos estudando para o mesmo concurso. O ansioso troca de método a cada semana, fica obcecado por simulados, revisa obsessivamente. O apático mantém o mesmo ritmo, sem grandes mudanças. Talvez nem acredite que vá passar. A diferença não está na capacidade deles, mas em como cada um enxerga a incerteza da situação.

O que a ciência descobriu sobre esses padrões de comportamento?

Um estudo da Universidade de Minnesota trouxe luz sobre essa questão. Publicado na revista Biological Psychiatry: Cognitive Neuroscience and Neuroimaging, ele investigou como ansiedade e apatia afetam decisões em contextos incertos. Foram mais de mil participantes avaliados em uma tarefa chamada restless three-armed bandit — uma espécie de jogo em que as recompensas mudam com o tempo, simulando decisões reais em ambientes dinâmicos.

O que o estudo revelou foi muito interessante:

  • Pessoas ansiosas viam o ambiente como altamente volátil. Após um resultado negativo, eram mais propensas a mudar de estratégia. Exploravam mais. Agiam mais.
  • Pessoas apáticas percebiam o mundo como altamente aleatório. Não viam relação entre escolhas e resultados. Por isso, exploravam menos. Mudavam pouco.

Isso mostra que não se trata de coragem ou fraqueza. Trata-se de processamento cognitivo. O cérebro de cada pessoa responde de forma diferente ao mesmo cenário, dependendo do seu estado emocional.

E isso se reflete em números:

  • A ansiedade teve correlação positiva com exploração após resultados ruins (r = 0.16).
  • A apatia mostrou correlação negativa com probabilidade de exploração (r = -0.16).
  • As duas emoções coexistem em muitos indivíduos (r = 0.35), mas com efeitos opostos.

O mais fascinante: usando técnicas de aprendizado de máquina, os pesquisadores identificaram subgrupos de participantes com padrões distintos de resposta à incerteza — o que pode abrir caminho para abordagens terapêuticas mais personalizadas.

Como isso afeta sua vida — mesmo que você não perceba?

Essas descobertas não são apenas interessantes. Elas explicam muito sobre o comportamento humano no dia a dia.

Por exemplo:

  • Por que você muda de estratégia toda vez que algo dá errado no trabalho?
  • Por que seu colega parece nunca tentar nada novo, mesmo quando as coisas não vão bem?
  • Por que, diante da mesma crise, uma pessoa reage com urgência e outra com indiferença?

A resposta pode estar em como cada um interpreta a incerteza.

Se você é mais ansioso, talvez veja o mundo como uma avalanche prestes a desabar. Isso te mantém em movimento constante — o que pode ser bom para evitar estagnação, mas também leva ao esgotamento.

Se você é mais apático, talvez veja o mundo como uma roleta russa: indiferente ao seu esforço. Isso te protege de frustrações, mas também te impede de progredir.

Saber disso é libertador. Porque mostra que seu comportamento não é só “falta de foco” ou “preguiça” — pode ser um reflexo automático do seu cérebro tentando lidar com a incerteza. E o melhor: isso pode ser trabalhado.

Como adaptar a terapia para lidar melhor com ansiedade e apatia?

As implicações clínicas são profundas. A maioria das terapias trata emoções como se fossem sintomas isolados. Mas se entendermos como elas moldam a percepção da realidade, podemos intervir de forma muito mais eficaz.

Para pessoas ansiosas, o foco deve ser reduzir a percepção exagerada de mudança constante. Isso significa ajudar o paciente a identificar padrões de estabilidade no ambiente. Técnicas da terapia cognitivo-comportamental, como a reestruturação de pensamentos, são úteis aqui. Também se pode trabalhar com exposição gradual à incerteza, para que o paciente aprenda que nem todo resultado negativo exige uma mudança total de rota.

Já para pessoas apáticas, o desafio é outro: aumentar a sensação de controle sobre os próprios resultados. Aqui, técnicas como ativação comportamental e entrevista motivacional funcionam bem. A ideia é mostrar, com pequenas experiências concretas, que ações geram consequências. Que tentar algo novo pode, sim, fazer diferença.

Modelos computacionais como os do estudo da Universidade de Minnesota podem futuramente ser usados para avaliar pacientes de forma mais precisa — e assim personalizar o tratamento de acordo com o padrão de percepção da incerteza.

Essa abordagem não só melhora a eficácia das terapias, como pode reduzir recaídas. Porque vai direto ao ponto: como a pessoa enxerga o mundo.

E na vida prática: o que fazer com esse conhecimento?

A boa notícia: mesmo fora da terapia, é possível usar esses insights no seu dia a dia. E não precisa de grandes revoluções — basta atenção e intenção.

Se você percebe que está reagindo demais, sempre tentando “corrigir o rumo”, pergunte-se: O que realmente mudou? Muitas vezes, a percepção de volatilidade vem de emoções, não de fatos. Um resultado ruim não significa que tudo desmoronou.

Por outro lado, se você sente que nada adianta, que o esforço é em vão, experimente fazer pequenos testes. Mude um detalhe e observe. Pode ser algo simples, como reformular um e-mail ou tentar uma abordagem diferente com seu chefe. Quando perceber que algo mudou por causa da sua ação, guarde isso como evidência. Aos poucos, isso reconfigura sua percepção de controle.

Essa consciência também pode melhorar relacionamentos. Entender que o outro pode estar vendo o mundo por lentes diferentes ajuda a evitar julgamentos. Alguém que parece instável talvez esteja apenas tentando sobreviver ao que percebe como caos. Alguém que parece preguiçoso pode estar desmotivado porque não enxerga saída.

E se você lidera pessoas, esse conhecimento vale ouro. Um líder que entende o impacto da ansiedade e da apatia consegue criar ambientes que acolhem a dúvida sem alimentar o medo, e que incentivam a iniciativa sem forçar entusiasmo.

O que muda quando entendemos como lidamos com a incerteza?

Muda tudo.

Quando você reconhece como suas emoções distorcem a percepção de risco, começa a tomar decisões mais lúcidas. Percebe que nem sempre precisa mudar tudo — e que, às vezes, mudar um pouco já é suficiente. Começa a distinguir o que é aleatório do que é possível influenciar.

Isso te torna mais estratégico, menos reativo. Mais presente. E, acima de tudo, mais compassivo consigo e com os outros.

A próxima vez que você se pegar mudando de ideia pela quinta vez em uma semana, ou deixando tudo para depois porque “não adianta”, pare. Pergunte a si mesmo: Estou vendo o mundo como ele é — ou como me sinto hoje? Só essa pergunta já abre espaço para escolhas melhores.

Coragem não é ausência de medo — é saber de onde ele vem

Vivemos em tempos incertos. Mas nem todos lidam com isso da mesma forma. Alguns reagem demais, outros de menos. E agora sabemos que isso não é acaso: é como nosso cérebro interpreta o ambiente. Ansiedade e apatia não são falhas. São estratégias emocionais para lidar com a dúvida.

A chave está em reconhecer esses padrões. Entender o que há por trás do impulso de mudar tudo ou da vontade de não fazer nada. E a partir daí, construir formas mais saudáveis de lidar com a realidade.

Esse conhecimento é um convite: para repensar nossas decisões, revisar nossos julgamentos e, quem sabe, ter um pouco mais de paciência — com os outros, mas principalmente com nós mesmos.

A incerteza não vai embora. Mas podemos aprender a caminhar com ela de forma mais leve. E isso, no fundo, é o que mais importa.

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