Saúde mental em foco: como líderes podem mudar o ambiente de trabalho com dicas de Ted Lasso

Imagine que um técnico de um time medíocre de futebol americano aceita o desafio de comandar uma equipe inglesa de futebol na Premier League, mesmo não tendo experiência com o esporte. Parece a receita certa do fracasso, não é? Porém, é a sua capacidade de se conectar com cada a sua volta que faz toda a diferença, mostrando como um líder empático influência no desempenho de sua equipe.

Se você já assistiu a série “Ted Lasso”, original da Apple TV+, sabe muito bem de quem estou falando. A série narra a vida de um treinador de futebol americano universitário carismático, contratado para treinar o time AFC Richmond. Embora pareça um expert no assunto, logo fica claro que Ted não entende nada de futebol. Como treinador, ele precisa lidar com ego de jogadores, problemas com chefes e uma torcida exigente, disposta a tudo para não ver o time sendo rebaixado.

Apesar de ter uma sinopse com todos os clichês de uma comédia sitcom, a série traz profundas reflexões sobre relacionamento, trabalho, ambições e conflitos. Com vários jogadores e equipe técnica, o AFC Richmond tem pessoas lidando com pressão familiar, pais abusivos, dificuldade de demonstrar e receber carinho, rivalidade e várias outras emoções. Essas características criam uma conexão imediata com quem assiste à produção, que vai muito além do futebol, afinal, essa narrativa poderia facilmente descrever grande parte das empresas na atualidade.

Em um cenário repleto de pressão, exaustivas horas de treino, disciplina rígida e cobranças altíssimas, cada vez mais atletas têm declarado ter questões de saúde mental. É o mesmo para a uma grande parcela da população sobrecarregada com extensa carga de trabalho, prazos rígidos e cobranças igualmente altas… Com a discussão de saúde mental ecoando em seus episódios, a produção promove importantes reflexões sobre como as lideranças, usando as ferramentas certas, podem fazer a diferença para mudar o ambiente de trabalho de suas equipes.

A saúde mental no ambiente de trabalho é um assunto cada vez mais importante e relevante. Por isso, líderes e gestores precisam estar cientes de como suas ações podem influenciar a saúde mental de seus colaboradores. E é justamente nesse contexto que Ted Lasso traz importantes lições e dicas para os líderes que desejam promover um ambiente de trabalho mais saudável e positivo.

Como as organizações podem afetar a saúde mental dos colaboradores?

O trabalho é um elemento chave para o bem-estar e a saúde mental, pois está no núcleo da vida contemporânea, ao possibilitar segurança financeira, identidade pessoal e social e oportunidade de contribuir para a comunidade. Por outro lado, o ambiente que tem se desenhado nas últimas décadas envolve novas tecnologias, intensa competitividade, concorrência global e cobrança de metas cada vez mais ambiciosas. Manter uma carreira estável hoje é, muitas vezes, sinônimo de estresse, ansiedade e outros tipos de sofrimentos mentais, tornando a saúde mental no ambiente de trabalho ainda mais importante.

Segundo dados da OMS, os transtornos mentais e comportamentais estão entre as principais causas de perdas de dias de trabalho no mundo. Os casos leves causam em média perda de quatro dias de trabalho/ano e os graves cerca de 200 dias de trabalho/ano. Os dados mostram ainda que o Brasil é o país com o maior número de pessoas ansiosas: 9,3% da população. A OMS estima que transtornos mentais e emocionais como ansiedade e depressão têm um impacto econômico significativo, com um custo estimado à economia global de US$1 trilhão por ano em perda de produtividade. Estima-se, ainda, que, para cada US$ 1 investido em tratamento para os transtornos mais comuns, há um retorno de US$ 4 em melhora de saúde e de produtividade.

No Brasil, de acordo com o levantamento mais recente sobre o tema publicado pela Secretaria da Previdência, os episódios depressivos são a principal causa de pagamento de auxílio-doença não relacionado a acidentes de trabalho (30,67%), seguidos de outros transtornos de ansiedade (17,9%). De acordo com o Sistema de Informação de Agravos de Notificação (Sinan) do Ministério da Saúde, na série histórica de 2007 a 2018, foram notificados 10.237 casos de transtornos mentais relacionados ao trabalho.

As causas do surgimento ou da intensificação de problemas relacionados à saúde mental no ambiente de trabalho são muitas. O Comitê Gestor do Programa Trabalho Seguro da Justiça do Trabalho elenca, entre as principais, a exposição ao assédio moral e sexual, jornadas exaustivas, atividades estressantes, eventos traumáticos, discriminação, perseguição da chefia e metas abusivas. Essas situações cotidianas e desgastantes podem acarretar em quadros como estresse, síndrome de burnout, crises de ansiedade, depressão. É neste contexto que políticas de bem-estar entram como peça-chave para alavancar a motivação, aumentar o engajamento e reduzir as chances de complicações de tal natureza.

As empresas estão começando a investir mais em apoio à saúde mental, e não só no tratamento dos transtornos, mas na prevenção dessas doenças e cuidados com a saúde emocional de suas equipes. Os líderes devem servir como exemplos nesse caminho, compartilhando suas próprias experiências pessoais para promover um ambiente de transparência e abertura, afinal, eles são muitas vezes a primeira linha para perceber mudanças e apoiar seus subordinados diretos. Como Ted nos mostra na série, criar uma cultura  de  conexão é fundamental – de check-ins regulares que dão tempo para a pergunta: “Como você está se sentindo?” à relações de trabalho saudáveis para interações significativas entre as equipes.

As lições de liderança de Ted Lasso

Ted é um ótimo coach motivacional justamente porque se importa em estabelecer conexões sinceras com as pessoas. Entre suas lições estão: Valorizar o trabalho em equipe, adotar uma postura mais empática e positiva em relação aos colaboradores, ouvir e dar bons feedback e mais. Elenco alguma delas a seguir:

A importância de valorizar o trabalho em equipe

Um dos principais ensinamentos de Ted Lasso é a importância de valorizar o trabalho em equipe. O personagem entende que o sucesso não depende apenas de um indivíduo, mas sim de um time bem estruturado e coeso. Essa lição pode ser aplicada em qualquer empresa ou organização, independentemente do segmento em que atua. É fundamental que os líderes entendam a importância de valorizar as habilidades e talentos de cada pessoa, incentivando a colaboração e a troca de conhecimento entre os membros da equipe. Além disso, é preciso promover um ambiente em que os erros sejam vistos como oportunidades de aprendizado, e não como falhas a serem punidas.

William Shockley, Prêmio Nobel de Física

Inclusive, o fracasso faz parte da história do Vale do Silício. Imagine o Vale do Silício totalmente diferente do que é hoje: sem startups de tecnologia, sem investidores de Venture Capital, pouquíssimos estrangeiros e quase nenhum pesquisador na Universidade de Stanford. Em 1955 era assim, quando William Shockley, Prêmio Nobel de Física e pesquisador na área de semicondutores (chips), resolveu fundar sua empresa e recrutou oito jovens pesquisadores da área para trabalhar com ele. Mas a empresa acabou falindo pouco depois, e os oito jovens pesquisadores ficaram desempregados. Ao invés de voltarem para casa e trabalharem em grandes empresas, conheceram um investidor e fundaram uma nova empresa, no mesmo setor, a Fairchild Semiconductor. Pouco tempo depois, com contatos desse investidor, fizeram as primeiras vendas para a gigante IBM e para o programa militar do Governo dos Estados Unidos. No final do terceiro ano, a Fairchild já faturava mais de US$ 20 milhões, se tornando uma das maiores empresas da indústria. Em 1966, nove anos depois da fundação, faturaram US$ 90 milhões e empregavam 4.000 pessoas.

No Vale, se considera fracassar apenas um degrau para o sucesso. Por lá, o fracasso não é entendido necessariamente como um erro do empreendedor, mas como resultado de um risco assumido de algo que tinha a probabilidade de dar errado. Enfrentar o fracasso quer dizer que por detrás dele existe um empreendedor tendencioso a enfrentar riscos. A possibilidade de “fracassar” tem uma vantagem incrível: se os funcionários não têm espaço para falhar, então eles não têm a capacidade de assumir riscos.

E como diz o próprio Ted:

“sucesso não tem a ver com vitórias ou derrotas. É ajudar os rapazes a serem as melhores versões deles mesmos em campo ou não”.

O poder da empatia e da positividade

Outro ponto importante abordado por Ted Lasso é o poder da empatia e da positividade. O personagem, que é conhecido por seu otimismo contagiante, trata seus colegas e jogadores com respeito e compaixão, mesmo quando as coisas não vão bem.

Os líderes podem se inspirar em Ted Lasso e adotar uma postura mais empática e positiva em relação aos seus colaboradores. É preciso entender que cada pessoa tem suas próprias lutas e desafios, e que o suporte e o encorajamento de um líder pode fazer toda a diferença. Além disso, um ambiente de trabalho positivo e encorajador tende a ter uma equipe mais motivada, engajada e produtiva.

Sabe aquela história de que pensamentos e atitudes positivas atraem situações positivas, da mesma forma que pensamentos e atitudes negativas geram resultados e situações negativas? Pois, a ciência descobriu que é, sim, verdade. O livro “O Jeito Harvard de Ser Feliz”, publicado no Brasil, em 2012, pela Benvira, traz algumas explicações. No livro, o pesquisador americano Shawn Achor se baseia em um curso super concorrido ministrado em Harvard, além de várias pesquisas conduzidas sobre a temática, tanto naquela Universidade como em outros centros do mundo, comprovando que é preciso ser feliz para ter sucesso. Isso, entre outras coisas, porque nosso cérebro é configurado para apresentar o melhor desempenho, quando está positivo. E não o contrário.

O livro aborda um dos estudos psicológicos mais longos de todos os tempos, o estudo dos Homens de Harvard, que comprova essa ideia. Iniciado nos anos 1930, o estudo dura até hoje. No começo, foram 268 homens acompanhados desde sua entrada na Universidade. 70 anos de evidências depois permitem afirmar que os relacionamentos entre as pessoas importam muito e importam mais que o resto. Nós nos recuperamos mais rapidamente dos contratempos, realizamos mais e temos um maior senso de propósito, quando nos relacionamos com um parceiro na vida, parentes, amigos, colegas… E com isso, multiplicamos nossos recursos emocionais, intelectuais e físicos.

Essas experiências abordadas por Achor comprovam percepções como: felicidade leva ao sucesso em praticamente todos os âmbitos, inclusive no trabalho, saúde, amizade, sociabilidade, criatividade e energia; e que a positividade não é uma questão de mentir para nós mesmos ou tentar tapar o sol com a peneira, mas ajustar o nosso cérebro para enxergar maneiras de nos elevar acima de nossas circunstâncias.

Isso comprova que a positividade atrai positividade, e que pessoas felizes instigam os ambientes a serem felizes também. Pessoas mal-humoradas contaminam o ambiente e espalham o mau humor.  O efeito propagador das emoções é explicado pela característica de espelhamento de nossos neurônios. Por isso, um sorriso é tão contagiante.

A amígdala é capaz de perceber e identificar uma emoção no rosto de alguém em 33 milissegundos e rapidamente nos prepara para sentir o mesmo. Além desse processo subconsciente, segundo Achor, também avaliamos conscientemente o estado de espírito das pessoas que nos cercam e agimos de acordo. Por isso a “emoção coletiva” do ambiente de uma empresa ou de uma casa é tão impactante. O “tom afetivo do grupo” com o tempo cria “normas emocionais” e isso afeta a todos. E se pensarmos que cada pessoa é capaz de impactar direta e indiretamente cerca de mil outras pessoas, imaginem o quanto somos responsáveis pelas emoções que propagamos!

Isso é tão importante para a promoção da saúde mental (e resultado) no ambiente de trabalho que é um dos pilares importantes do trabalho que faço nas empresas quando implantamos programas de saúde mental no ambiente corporativo.

A importância de ouvir e dar feedback construtivo

Outra lição importante que Ted Lasso pode trazer para os líderes é a importância de ouvir e dar feedback construtivo. O personagem é conhecido por sua habilidade em ouvir seus jogadores e colegas, e dar feedback de forma clara e objetiva, sem jamais deixar de lado a empatia e o respeito.

Essa habilidade é fundamental para qualquer líder que deseja promover um ambiente de trabalho mais saudável e produtivo. Ouvir as opiniões e sugestões dos colaboradores é essencial para entender suas necessidades e expectativas, e dar feedback construtivo é fundamental para orientar e desenvolver a equipe de forma eficaz. O segredo para fazer isso, bastante evidente na série, é ter o genuíno interesse pelo desenvolvimento da outra pessoa. Uma das pessoas que me inspirou a criar formas de dar feedbacks reais e impulsionadores foi a pesquisadora Brené Brown. Em seu documentário “Call to Courage” ela explica que as tais críticas construtivas podem ser negativas dependendo de quem dá e qual a intenção por trás disso. Ao nos atentarmos a esta regra básica, a própria palavra “feedback” começa a perder a sua conotação negativa e passa a ser o que ela sempre foi, uma interação entre pessoas visando o crescimento de cada um, tanto de quem recebe como de quem dá.

E se você estiver se perguntando como saber mais sobre esse tema e como dar bons feedbacks, eu preparei um vídeo justamente sobre esse assunto que você pode conferir logo abaixo.

Acredite no potencial do seu time

Uma única palavra estampada em uma placa amarela pendurada toscamente com fita adesiva sobre a porta do escritório dos treinadores – “Acredite” – lembra a todos no vestiário sobre o poder da crença: acreditar em si mesmo; crença na equipe; crença em ideais e objetivos (em cada definição da palavra).

A cena de Lasso pendurando a placa amarela acontece no episódio piloto. Jones aponta que está torta e o direciona, enquanto ele tenta ajustar. Eles concordam que está “perfeito”, mas quando a câmera retorna, vemos que está tão torto quanto no início. A crença não precisa ser perfeita – só precisa estar lá.

Saber como inspirar as pessoas é uma das características principais de um bom líder. Essa competência é extremamente urgente nos dias de hoje, em uma era de grande incidência de adoecimento mental, ser uma figura de inspiração pode mudar a forma de trabalho da sua equipe, assim como proporcionar um ambiente de trabalho positivo. Mas como fazer isso na prática? Há alguns anos atrás, quando terminei uma das formações que fiz em Programação Neuro-Linguística, uma frase bem interessante que ouvi do palestrante que ministrava o treinamento, ficou gravada para sempre em minha memória:

“Um bom líder sabe como equilibrar o tamanho do desafio com os recursos que seu liderado tem para executar este desafio”.

A partir daí, fui buscar exemplos de comportamento de lideranças na vida real que tivessem esse pensamento como base, e logo me deparei com uma realidade difícil. A grande maioria das lideranças que conversei não sabia de fato como equilibrar esses dois elementos, mas podia sentir o desequilíbrio gerado pelos resultados negativos. Isso porque as pessoas ou não tinham um desafio bom o suficiente para se esforçarem, buscarem aprender, irem além do já conhecido, ou seja, perdiam a energia e o trabalho se tornava enfadonho. Ou então, o desafio era tão exagerado, com metas impossíveis, que elas desistiam antes mesmo de começar. A maestria de saber ser um bom “desafiador” começa por saber ouvir e conhecer muito bem os membros do time.

Uma nova era para a  saúde mental no trabalho

Embora ainda haja muito a ser feito, algumas empresas começaram a fazer progressos na transformação da cultura organizacional dando prioridade à saúde mental e emocional no trabalho. Entretanto, temos que ter em mente que a chave para a nova era da saúde mental nas organizações é a liderança, que deve passar a ver a saúde mental como uma prioridade coletiva. O futuro exige mudança de cultura organizacional e redesenho do trabalho – com mais vulnerabilidade, compaixão, empatia e positividade. No  fim, o  que mais importa é trazer nossa humanidade compartilhada e conexão para o local de trabalho.

Agir de forma preventiva é a grande mudança que devemos ver a partir de agora, buscando formas mais eficientes de promover mais qualidade de vida e saúde para todos. Devemos sofisticar nossas estratégias para gestão do estresse, indo além da oferta de experiências paliativas. Que tal?

Enquanto esperamos as próximas dicas de Ted Lasso, que ganhará novos episódios em sua terceira temporada no próximo dia 15 de março de 2023, vamos ter em mente que o futuro da saúde mental nas organizações traz consigo apenas uma certeza: é preciso transformar a cultura organizacional para uma que tenha como objetivo otimizar a mente para que performance, os resultados e a saúde como um todo andem de mãos dadas. Isso faz sentido para você? Então vamos falar mais sobre esse futuro?

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