Vocẽ conhece a história de António Horta-Osório? Em 2011 ele era CEO do Lloyds Banking Group e estava encarregado de um dos trabalhos mais difíceis de sua carreira: salvar um dos maiores bancos do Reino Unido, que enfrentava uma crise financeira devastadora. Desde o início, ele sabia que a missão seria complicada, mas ele estava determinado a fazer o que fosse necessário para cumprir seu objetivo.
Os primeiros meses foram intensos. António mergulhou completamente no trabalho. Suas semanas eram preenchidas com reuniões intermináveis, decisões cruciais e um volume gigantesco de responsabilidades. As horas de sono foram ficando cada vez mais curtas, e o trabalho parecia não ter fim. Para ele, não havia outra opção: era preciso estar à frente de tudo, o tempo todo.
Ele começou a passar noites na própria empresa, dormindo apenas algumas horas entre uma tarefa e outra. Aos poucos, a pressão foi se acumulando. O cansaço não era mais físico — era mental. Mas, mesmo assim, ele continuava indo em frente. Ignorava os sinais do corpo, os momentos de exaustão extrema, e dizia a si mesmo que não podia parar.
Até que, um dia, seu corpo decidiu parar por ele. António sofreu um colapso mental, algo tão sério que ele foi obrigado a se afastar completamente do trabalho. A exaustão atingiu um ponto em que ele simplesmente não conseguia continuar. E, por semanas, ele teve que lidar com as consequências de ter ignorado os sinais de esgotamento.
Para muitos dentro da empresa, foi um choque. Afinal, António era o exemplo de liderança, um homem que parecia estar sempre no controle. Mas essa experiência revelou algo que muitos preferem não ver: por trás da imagem de sucesso, o desgaste mental estava tomando conta, e ignorar isso quase custou sua carreira — e poderia ter custado o futuro do banco.
Mas esse não é um caso isolado. Tenho certeza que você tem pelo menos um amigo ou conhecido no seu ciclo de convívio que já passou pela mesma coisa nos últimos anos: o esgotamento mental no trabalho. Vivemos em uma época onde estamos sempre conectados e sob constante pressão, e encontrar um equilíbrio entre vida pessoal e profissional está cada vez mais complicado. Não é de se espantar que a saúde mental tenha se tornado um tema central nas discussões sobre o futuro do trabalho – e na verdade, o presente também, já que essa mudança é urgente. Mas a grande questão é: como vamos lidar com esse desafio de um jeito que realmente faça a diferença?
Esse é o ponto crucial. Como evitar que histórias como a de António se repitam? Como criar um ambiente de trabalho onde as pessoas possam prosperar sem que isso custe sua sanidade? E, acima de tudo, quais são as verdadeiras consequências — financeiras e humanas — de ignorar o impacto do esgotamento mental?
A resposta para isso não é simples, e muito menos rápida. A solução vai muito além de uma simples palestra motivacional, um programa de bem-estar temporário ou simplesmente contratar profissionais da saúde para tratar a doença mental. O que realmente pode ser feito para mudar o jogo? E como você pode agir agora, antes que seja tarde demais?
O que realmente aprendemos até aqui? As lições que não podemos ignorar
Nas últimas décadas, a maneira como enxergamos a saúde mental no trabalho mudou muito. Antes, o bem-estar mental era algo em que quase não se falava, com pouquíssimos recursos para quem enfrentava problemas psicológicos. A prioridade das empresas era a produtividade, não importava o que isso custava, e qualquer sinal de fragilidade emocional era visto como fraqueza, algo para ser escondido ou ignorado. E a palavra para isso era “frescura”.
Lá pelos anos 2000, movimentos sociais e estudos científicos começaram a trazer mais visibilidade para a saúde mental no ambiente de trabalho. Um marco importante foi quando a Organização Mundial da Saúde (OMS) reconheceu o BURNOUT como um problema ocupacional em 2019. Parecia que as empresas estavam começando a entender o impacto do estresse crônico na saúde dos seus colaboradores, mas a verdade é que, desde então, os números só pioraram.
Apesar de muitas empresas afirmarem que estão cuidando da saúde mental de seus funcionários, o ambiente de trabalho continuou a se deteriorar. Uma pesquisa realizada pela Fundação Getulio Vargas (FGV) revelou que, mesmo com 46% das empresas declarando iniciativas de apoio, o número de afastamentos por questões psicológicas, como ansiedade e depressão, só aumentou nos últimos anos. Dados recentes mostram que houve um crescimento de 30% nos casos de burnout entre os trabalhadores brasileiros nos últimos cinco anos, reforçando que as medidas adotadas não estão sendo suficientes para frear essa tendência.
Por exemplo, a pesquisa aponta que muitas empresas adotam iniciativas pontuais, como palestras motivacionais e campanhas de conscientização, mas poucas conseguem ir além disso. Apenas 18% das empresas investigadas possuem programas estruturados e contínuos de apoio psicológico. E, em muitos casos, o suporte oferecido acaba sendo reativo – ou seja, só entra em ação quando o colaborador já está em uma situação crítica, como um quadro avançado de burnout ou transtorno de ansiedade.
Essas soluções rápidas e superficiais podem até parecer que resolvem o problema a curto prazo, mas não atacam a verdadeira raiz do estresse e do esgotamento que muitos colaboradores enfrentam. É como oferecer um remédio para a dor sem cuidar da doença que está causando essa dor.
A questão é que o verdadeiro cuidado com a saúde mental não pode ficar só na teoria ou em ações de fachada. O problema precisa ser enfrentado de forma preventiva, antes que os sinais de esgotamento se tornem crises. E isso só acontece quando a empresa se compromete a criar um ambiente de trabalho onde falar sobre saúde mental seja natural e constante, não apenas quando a situação já saiu do controle.
Hoje temos provas incontestáveis de que o estresse no trabalho está diretamente ligado a quedas de produtividade, aumento de absenteísmo e altos índices de rotatividade. Enquanto isso, o ambiente de trabalho está cada vez mais cheio de pressão e cobrança, com metas inalcançáveis, prazos apertados e pouca margem para descanso, o que alimenta ainda mais o ciclo de desgaste mental. Então, se por um lado começamos a falar mais sobre saúde mental, por outro, a situação real dos trabalhadores só piora. Será que estamos prontos para realmente enfrentar o problema?
Negligenciar a saúde mental custa caro: para as pessoas e para as empresas
Sim, negligenciar a saúde mental tem um preço. E não estou falando apenas em termos de produtividade. O ser humano é, sem dúvida, o recurso mais valioso de qualquer organização. O capital intelectual, invisível, mas poderoso, é o que move as empresas. Manter as pessoas mentalmente saudáveis é crucial para o sucesso de qualquer negócio.
Uma pesquisa da Universidade de Harvard descobriu que funcionários que sofrem de estresse, ansiedade ou depressão têm até 30% de queda em sua capacidade de produzir, inovar e colaborar. Isso significa que, quando uma empresa ignora a saúde mental de sua equipe, o impacto não é pequeno — é devastador.
E não é apenas sobre um ou dois funcionários. É sobre como isso afeta toda a dinâmica do time. O estudo da Harvard Business School, conduzido por Allison L. Williams, mostrou algo alarmante: a combinação de depressão e estresse no ambiente de trabalho não só leva a mais faltas, mas também mina a qualidade do trabalho daqueles que continuam presentes. Eles podem estar ali fisicamente, mas sua mente está esgotada, afetando a entrega, a tomada de decisões e o relacionamento com os colegas. O resultado? Um ambiente tóxico, onde o engajamento desaparece e as metas se tornam cada vez mais difíceis de alcançar.
Além disso, a pesquisa da Organização Mundial da Saúde (OMS) é clara: empresas que não investem de maneira consistente na saúde mental têm 25% mais chances de perder talentos, pois colaboradores em sofrimento acabam saindo em busca de um ambiente mais acolhedor. Pense nisso: você não está apenas perdendo um funcionário, está desperdiçando tempo e recursos em processos de recrutamento, treinamento e adaptação de novos profissionais — um ciclo que poderia ser evitado com iniciativas simples e que realmente funcionem de apoio à saúde mental.
E por que isso acontece? Porque, ainda hoje, o estigma em torno da saúde mental é enorme. “Isso é bobagem”… “Tudo coisa da sua cabeça”… “Agora está na moda”. Você talvez já tenha escutado pelo menos uma dessas frases sendo utilizadas para descrever um caso de transtorno psicológico. Muitos colaboradores preferem sofrer em silêncio, temendo serem vistos como fracos ou incapazes. Esse silêncio tem um custo enorme, tanto para as pessoas quanto para o negócio. Quando as empresas não oferecem um espaço seguro para que os funcionários falem sobre seus desafios emocionais, a pressão interna cresce e, muitas vezes, o problema só é percebido quando já está fora de controle.
Então, como podemos resolver essa situação? Como criar um ambiente onde a saúde mental não só é valorizada, mas também discutida abertamente?
Por onde começar? As primeiras ações para mudar esse jogo
Conscientização ativa e contínua:
Organizar workshops e palestras sobre saúde mental é super importante, claro, mas vamos combinar que isso não pode ser só um evento esporádico, não é? A ideia é que o tema não desapareça depois de um slide bonitinho no PowerPoint. Que tal criar campanhas internas que mantenham o assunto sempre presente? Coisas como newsletters semanais, murais com informações espalhadas pela empresa, ou até canais dedicados em plataformas internas, onde os colaboradores possam buscar mais conteúdo e manter a conversa viva, tanto nos corredores quanto nas reuniões. Mas olha, esses conteúdos de conscientização precisam ter elementos práticos e que façam sentido no dia a dia de trabalho. Nada de ser aquela coisa teórica de “prateleira”. É preciso entender a dinâmica do grupo específico e fazer um verdadeiro “de… para” da teoria para a prática.
E, além disso, não dá para esquecer de treinar gestores e equipes para identificar os sinais de esgotamento emocional, como o estresse ou burnout. Promova sessões periódicas para ajudar todos a reconhecer esses sinais e, mais importante ainda, a saber como lidar com eles. E aqui vai a cereja do bolo: mantenha o assunto em pauta o tempo todo. Traga essas discussões para as reuniões de equipe de maneira leve e acessível, fazendo da saúde mental uma parte constante do cotidiano da empresa – e não apenas algo que se fala quando tudo já está pegando fogo.
Redesenho Inteligente do Trabalho:
Pequenas mudanças podem ter um grande impacto. Por exemplo, vale a pena revisar a quantidade de reuniões. Será que todas são realmente necessárias? Tente transformar algumas delas em encontros mais curtos e focados. E aquelas reuniões que podem ser resolvidas com um e-mail? Substitua! Isso ajuda a reduzir a carga e otimizar o tempo.
Você também pode dar mais autonomia às equipes. Permita que organizem suas tarefas e horários de forma que consigam equilibrar suas responsabilidades profissionais e pessoais. Se possível, ofereça a opção de horários flexíveis ou home office, para que os colaboradores possam ajustar o trabalho ao seu ritmo de vida. E incentive pausas curtas e regulares durante o dia. Pequenos intervalos longe da tela ajudam a evitar o esgotamento e mantêm a produtividade. Recentemente escrevi um artigo sobre o formato híbrido de trabalho e como implantá-lo de forma adequada no ambiente de trabalho. Veja abaixo:
Suporte Psicológico Contínuo e Estruturado:
O suporte psicológico precisa ser contínuo e estruturado. Vai além de uma linha de ajuda ou um workshop ocasional. É importante que a empresa tenha convênios com profissionais de saúde mental, como clínicas ou plataformas de terapia online, e que os colaboradores saibam como acessar esses recursos de forma simples e confidencial. Grupos de apoio internos também podem ser um ótimo recurso: Criar redes de escuta ou grupos de discussão onde os funcionários possam compartilhar suas experiências, de forma anônima ou aberta, ajuda a normalizar a conversa sobre saúde mental e fortalece a rede de apoio dentro da empresa. O segredo desses grupos de suporte é que as pessoas precisam falar e conversar sobre o tema, e isso por si só já é uma grande ajuda, não necessariamente você precisa tomar alguma atitude a respeito do que é falado.
Programas contínuos de longa duração:
Esta é, sem dúvida, a maneira mais eficaz de promover mudanças reais na saúde e na performance geral da empresa. Diferente de iniciativas isoladas, esses programas integram todos os elementos mencionados anteriormente e levam a prevenção a outro nível. A mágica acontece com a interação direta entre profissionais de saúde, treinadores comportamentais e o pessoal de Recursos Humanos. A ideia é conectar os conteúdos de conscientização, redesenho de trabalho, mudanças culturais e promoção de hábitos saudáveis ao cotidiano de trabalho, de forma personalizada e individualizada. E, claro, tudo isso com uma mensuração específica para provar os resultados e fazer com que todos percebam que essas mudanças realmente geram grandes transformações e principalmente melhores resultados. Aqui na MIND STATION, já aplicamos esse tipo de programa com nossa equipe e com uma enorme efetividade. Afinal, para resolver os desafios de saúde mental no trabalho, precisamos ir além de simplesmente tratar doenças; precisamos de ações profundas e duradouras que realmente façam a diferença.
Vulnerabilidade na Liderança: o que você precisa saber sobre autocuidado e resultados
A liderança tem um papel crucial na criação de um ambiente de trabalho saudável e no bem-estar emocional dos colaboradores. O relatório State of the Global Workplace 2024 destaca que os gestores são responsáveis por 70% da variação no engajamento das equipes, o que mostra a importância direta da liderança na promoção de uma cultura de trabalho positiva.
A pesquisa revela que equipes lideradas por gestores envolvidos no trabalho e na melhora do time têm uma performance muito superior: as melhores empresas têm 75% de seus gestores engajados, o que resulta em equipes mais resilientes e produtivas. Por outro lado, a má gestão faz com que os colaboradores tenham 60% mais chances de sentir altos níveis de estresse em comparação com aqueles que trabalham sob boa liderança.
E por que alguns líderes conseguem criar esses ambientes de trabalho saudáveis e outros não? O segredo está na liderança pelo exemplo. Líderes que mostram vulnerabilidade e promovem a inclusão e a diversidade acabam criando equipes mais engajadas e resilientes.
A pesquisadora Brené Brown fala muito sobre isso. No livro “A Coragem de Liderar” ela mostra como a vulnerabilidade é fundamental na liderança moderna. Segundo Brown, quando os líderes são abertos e empáticos, eles conseguem criar uma cultura de confiança e segurança psicológica, algo que é crucial para o bem-estar mental dos funcionários. Ela diz que:
“vulnerabilidade não é sobre ganhar ou perder; é ter a coragem de se mostrar quando você não pode controlar o resultado”
Isso fortalece a ideia de que os líderes não devem só apoiar as iniciativas de saúde mental, mas também se envolver nelas, demonstrando a importância do autocuidado e da empatia através de suas próprias ações.
Tente isso: durante reuniões, tire um momento para perguntar como estão emocionalmente, sem foco exclusivo em metas e resultados. Você pode perguntar: “Como vocês estão se sentindo com o trabalho essa semana? Há ago que gostariam de colocar na mesa?”. Compartilhe também suas próprias experiências. Se estiver passando por um momento de estresse ou dificuldade, mencione o fato. Isso mostra aos funcionários que até os líderes enfrentam desafios emocionais, normalizando o diálogo sobre o tema.
Crie esse espaço para feedback aberto e não punitivo. Assim, sua equipe vai sentir que suas preocupações serão ouvidas sem medo de represálias.
O que pude notar em todos esses anos trabalhando com gestores e alta liderança de grandes empresas é que investir em treinamentos de liderança que incluam experiências práticas com módulos sobre inteligência emocional, gestão do estresse e promoção da saúde mental pode fazer uma diferença enorme nesse cálculo. Esses líderes estarão mais preparados, com as ferramentas certas, para seguir justamente esse caminho que aponto acima.
Então como vamos REALMENTE melhorar a saúde mental no trabalho?
A verdade é que ignorar a saúde mental no ambiente de trabalho é um negócio arriscado — e, surpresa, pode sair muito caro. Não apenas para quem sofre calado, mas para a empresa inteira. Hoje, estresse, ansiedade e burnout estão por toda parte, e o que fazemos? Continuamos jogando metas inalcançáveis no colo das pessoas e oferecendo zero suporte. E quando falamos sobre saúde mental? Ah, não falamos. Aquele silêncio clássico que só piora as coisas.
Mas, convenhamos, não adianta tentar soluções rápidas. Não é só oferecer uma palestra qualquer ou lançar uma campanha relâmpago. A mudança real vem de ações que vão além do “faça o mínimo”. Precisamos de um esforço contínuo, reformular o ambiente de trabalho para ser mais flexível, implementar sistemas de apoio psicológico que realmente funcionem e programas contínuos que envolvam a experimentação de novos hábitos.
Acima de tudo, precisamos de líderes que liderem pelo exemplo. Líderes que não tenham medo de mostrar vulnerabilidade e de falar abertamente sobre saúde mental. Porque, adivinhem, quando a liderança se abre, isso abre espaço para que todos possam fazer o mesmo. Criar um ambiente onde os colaboradores se sintam seguros e onde falar sobre suas dificuldades seja visto como um sinal de força, não de fraqueza.
Se você quer um local de trabalho saudável, onde as pessoas estejam realmente motivadas e felizes, é hora de parar de deixar para depois. Vamos ser sinceros: achar que o problema vai se resolver por si só não funciona. O bem-estar emocional e a saúde mental dos seus colaboradores é o que vai sustentar o sucesso da sua empresa.
Então, fica aqui o convite: dê o primeiro passo. Olhe para o seu ambiente de trabalho, ouça as pessoas ao seu redor e comece a promover mudanças. Pode ser uma pequena ação no dia a dia ou uma estratégia mais ampla. O importante é começar. Porque cuidar da saúde mental não é só investir no futuro da sua empresa, é investir nas pessoas que fazem tudo acontecer. E isso, meus caros, faz toda a diferença.